segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O baile de debutantes

Isabela mal aguentava tanta ansiedade pelo grande dia. Sábado estava chegando e com ele a tão aguardada festa de quinze anos. Ela própria se encarregou de todos os preparativos: alugou o salão, comprou os enfeites, contratou a doceira para fazer o bolo, sua tia faria os salgados, pagou uma fortuna pela presença de um dj famoso e mandou fazer um vestido especialmente para essa data.

Em casa, não se falava de outra coisa, se tivesse qualquer assunto a ser discutido tinha que esperar até a próxima semana, enquanto isso o cachorro passava fome, o carro ficava parado na garagem por falta de gasolina, o lixo permanecia dentro de casa, o quintal continuava com as folhas secas trazidas pelo vento. O pai da aniversariante estava preocupado, pensava se era normal tamanha agitação, mas acabou considerando o comportamento “razoável” e que deveria apoiá-la na realização desse sonho.

A irmã de Isabela achava aquilo uma afronta. Onde já se viu, em pleno século 21 fazer todo esse escândalo por uma festa de quinze anos. Não conformada, se recusava a ajudar a irmã nos preparativos. Se ela fazia questão da palhaçada, que se responsabilizasse sozinha.

Na quinta-feira que antecedia a festa, Yasmin e Isabela foram à loja pegar o vestido encomendado. Mãe e filha ficaram horas em frente ao espelho, ajustando aqui, dando um ponto ali, pregando acolá. A costureira tinha outras clientes, é verdade, mas aquelas lhe tomavam toda uma vida com insatisfações. “Por que não fizeram elas mesmas?”, pensava enquanto entre sorrisos fazia os caprichos das duas.

Tadeu, sozinho em casa, esperando a esposa e a filha voltarem da costureira, se viu perplexo ao atender a campainha e ter que receber uma encomenda em nome de Isabella: um pônei. Sua cara de estupefato combinava com a do entregador que levara o animal em um caminhão adaptado mas que agora transferia a responsabilidade para o senhor congelado a sua frente. Claro que passou pela cabeça dele não aceitar o agrado que a debutante se deu, mas considerou que isso poderia traumatiza-la ainda mais, então decidiu acomodar o novo mascote da família na cozinha. Para sua sorte ele não estava com fome e dormiu feito um bebê entre a mesa e o fogão.

Dona Carosinha, a vovó, entrou em pânico quando entrou pela porta dos fundos (ela morava na casa de trás) para pegar um punhado de açúcar e se deparou com um cavalo deitado na casa da filha. Gritou como se estivesse sendo esfaqueada, assustou o Tadeu e o pônei, que no reflexo deu um coice na velha e virou a mesa de ponta cabeça. Ao chegar no local, Tadeu já conformado com a morte da sogra se surpreendeu ao vê-la montada no bicho enquanto este corria pelo quintal. “Muitos anos de vaqueira, caboclo!” gritava ao genro em estado de choque que a observava.

Chegando em casa, Yasmin e Isabella foram recebidas por um marido/pai estressado, que reclamando de enxaqueca foi logo se deitar, e uma vovó arretada, acariciando o pônei que dormia sobre o sofá da sala. “Escuta, vocês vão construir um estábulo aqui, por acaso?” Isabella disse que não, era apenas até a sábado para a entrada na festa, depois passaria ele para frente.

E de tanto esperar, sábado chegou. Yasmin estava encantadora, mas Isabella ofuscava qualquer uma. Não havia quem dissesse que a festa não fosse dela. Sua entrada montando aquele “pequeno cavalo”, como a mãe se referia, levou os convidados ao delírio. O momento da valsa, então, foi encantador. Tadeu a encaminhou segurando-a pela mão e de forma atrapalhada movia os pés de um lado a outro.

Carosinha, que se concentrou nas comidas da festa, ao ir até o banheiro, ouviu um ruído. Procurou um pouco mas logo encontrou a origem: vinha da escada, Yasmin estava chorando. “Minha filha, o que está acontecendo? Por que não está aproveitando a sua festa?”. Com os olhos marejados e quase soluçando, a neta respondeu: “Minha festa, vó? A mamãe fez tudo pra ela! Eu que faço quinze anos e ela com cinquenta quis ser a rainha, até um cavalo trouxe pra cá!”. Sem ter muito o que dizer, Carosinha finalizou: “Sua mãe sempre foi um problema, nunca soube superar os próprios traumas, mesmo que para isso traumatize a filha.”