Marília levantou-se cedo, lavou o rosto, escovou os dentes, trocou de roupa, pôs a água no fogo, tirou o bolo da geladeira e foi buscar o leite que Arivaldo deixava todas as manhãs em sua porta. Naquele dia, porém, ao abri-la, não encontrou nada. Olhou no relógio para certificar-se do horário, mas já estava tarde, ele se atrasou mesmo. Outras vizinhas estavam na mesma situação. Todas se olharam e começaram a estranhar a demora do leiteiro que por anos era pontualíssimo.
Enquanto Marília ainda estava no quintal, o carro da polícia passou em alta velocidade, com a sirene ligada, o que acordou aqueles que ainda dormiam. Curiosas, algumas pessoas seguiram até o lago, que acabara de ser isolado pelo cabo Claudiano para averiguação do delegado Ratão.
- Senhor, o que é aquilo boiando na água? – perguntou o inexperiente cabo.
- Não vê que é um corpo?
- Meu Deus! Será que se afogou?
- Não sabemos, vamos ter esperar os peritos da capital chegarem para descobrirmos. – parou por um instante e observou uma marca no chão – quer dizer, acho que já sei o que aconteceu. Ele foi assassinado.
- Assassinado? – perguntou o assustado Claudiano.
- Sim, olha essa marca de sangue no chão. Ainda tem o rastro até a água. Provavelmente o mataram aqui e arrastaram o corpo para o lago.
- Ah não... E o assassino, quem foi? Ainda está solto?
Ratão o olhou com desgosto, quase que se arrependendo de tê-lo aceito como seu assistente. Mas esperar o que de uma cidade pequena onde o crime mais cruel que se cometia era roubo de galinha?
- É exatamente isso que temos de descobrir. – olhou ao redor e percebeu que os curiosos estavam aumentando em número e com as fofocas. Já tinham praticamente deduzido de quem era o cadáver. – Escuta, você precisa ficar aqui e garantir que ninguém se aproxime da cena do crime, até os legistas chegarem.
- Sim senhor. Mas você vai demorar?
- Espero que não. Mas preciso investigar o caso. O assassino está a solta.
Meio a contragosto, o cabo aceitou, mas manteve-se o tempo todo atento a qualquer movimentação estranha, no menor sinal de alerta sairia correndo. Enquanto se afastava, o delegado parou novamente na marca de sangue e recolheu uma cápsula de bala, colocando-o cuidadosamente dentro de uma saco plástico. Alguns passos a frente encontrou uma pegada e pôs o próprio pé sobre ela, sem encostar, constatando pertencer a uma sapato mais ou menos do tamanho do seu: quarenta e dois. Em seguida pegou o carro da polícia e foi em direção à delegacia.
Em sua sala, Ratão reclinou a cadeira e começou a pensar no que poderia ter acontecido. Em uma cidadezinha tão pacata onde nenhuma mosca no verão era morta, o que levaria alguém a matar o leiteiro, logo ele, um cara tão legal, sem inimigos e muito querido pelas pessoas? Claudiano não era casado, não tinha filhos, morava sozinho, então seria difícil saber por onde começar a investigação. Para a sua surpresa, alguém bateu na porta de sua sala e ao virar-se viu que era Bernardo.
- Desculpe, delegado, mas eu vi o que aconteceu no lago e acho que sei de alguma coisa que pode ajuda-lo.
Ratão o olhou desconfiado, não estava acostumado a ver provas e testemunhas surgirem tão facilmente, mas baixou a guarda e convidou-lhe a sentar. Apoiou os cotovelos sobre a mesa unindo as mãos sob o queixo, mantendo toda a atenção no homem a sua frente.
- Então, é difícil para eu dizer isso, mas acho que minha esposa era amante dele.
- Do leiteiro? – disse Ratão erguendo uma das sobrancelhas.
- Isso. Eu... Sei lá, não tenho certeza e nem provas, mas a Marília anda meio estranha. Fora que...
- Fora que o quê?
- É que escutei umas conversas, uns boatos dizendo que os dois estavam me apunhalando... se o senhor me entende...
- Entendo sim, eu só não entendi ainda se você tem alguma opinião sobre quem matou ele.
- Não, não. Não faço ideia de quem possa ter feito uma coisa dessas.
- Mas você considerou importante eu saber dessa história.
- Sim. Sei lá... Talvez você descobrisse de alguma outra forma e eu queria me antecipar.
- Claro, entendo. – falou um pouco resistente. – bem, mas de qualquer maneira, se você souber de mais alguma coisa, por favor me procure.
- Pode deixar. Obrigado, delegado.
Quando Bernardo saiu, Ratão voltou a sua introspeção, considerou suspeito ele ter se antecipado a dar uma declaração, principalmente sabendo que sua mulher o traia. Aquilo podia ser um tiro no pé ou um blefe, afinal, se ele era o traído, não teria outra pessoa mais interessada na morte do leiteiro. Lembrou-se então, da cápsula que encontrou perto da cena do crime e foi olhar os registros de posse de arma de fogo na cidade. O bom de ali ter poucos habitantes era a facilidade para se catalogar praticamente tudo, como o registro de armamentos. Havia apenas três civis habilitados a possuir revólver: Silvio, Francisco e... Bernardo.
Ratão decidiu se dirigir então até a casa de Marília, aquele devia ser seu ponto de partida, dada a informação do marido. Ao atender a porta ela inicialmente se assustou com a visita mas pediu que ele entrasse e se acomodasse na sala.
- A senhora já deve saber o que aconteceu.
- Oh, que tristeza. Como alguém seria capaz de fazer algo com aquilo, ainda mais com uma pessoa tão querida como o leiteiro?
- Como era sua relação com ele?
Visivelmente constrangida, Marília pigarreou antes da resposta:
- Como assim? Não tinha relação com ele. Todos se conhecem aqui na cidade, principalmente a pessoa que leva leite na sua casa todas as manhãs.
- Mas vocês não eram amigos?
- Como eu disse, delegado. Éramos tão amigos quanto qualquer outra pessoa da cidade.
- Então posso considerar que vocês só se viam pela manhã, quando ele entregava o leite?
- Nem isso, geralmente quando eu acordava ele já havia passado.
- Seu marido possui uma arma aqui em casa, não é?
- É sim, por quê?
- Bem, não estou desconfiando de ninguém, mas provavelmente o assassino usou um revólver e como poucas pessoas tem autorização para posse aqui na cidade, preciso checar todas.
Ela levantou-se, subiu até o quarto e voltou trazendo uma caixa de madeira. O delegado pegou, a abriu, tirou o pano de cima e segurou a arma que estava limpa e parecia estar guardada a muito tempo.
- Nem lembro quando foi a última vez que Bernardo a usou.
- Realmente, não aparenta ter sido manuseada a muito tempo. Pode guardar.
Ela o recolou cuidadosamente na caixa e a pôs sobre a mesa de centro.
- E sobre um boato de que vocês teriam um caso. A senhora sabe de alguma coisa?
- O quê? Que boato é esse? – falou quase gaguejando.
- Bem, eu ouvi dizer que a senhora mantinha um caso amoroso com o Arivaldo.
- Mas que absurdo é esse? Quem lhe contou isso?
- Como eu disse era só um boato. E como ele está morto agora, preciso descartar todas as possibilidades.
- Está dizendo que eu sou uma suspeita?
- Nesse momento todos são suspeitos, dona Marília. Mas não estou acusando-a de nada.
Ela estava visivelmente desconfortável, o que fez com que Ratão desse por encerrado o assunto ali.
- Bem, se souber de mais alguma coisa, ou lembrar, me procure por favor. E desculpe pelo incômodo.
- Tudo bem. – Ela fez menção de levantar-se mas ele agradeceu-lhe, justificando já conhecer a saída.
No caminho até a porta, porém, havia uma parede que impedia a visão de quem estava na sala. Ali, Ratão viu um par de botas que julgou pertencer a Bernardo, e rapidamente pegou uma delas, virou o solado que estava limpo mas que lhe indicara uma valiosa informação: o número era quarenta e dois.
Ao sair, parou na varanda por alguns minutos pensando no depoimento que acabara de recolher e tentando montar as primeiras peças daquele quebra-cabeça. Será que alguém estava tentando criar um caso de amor que não existia? Seria aquilo verdade, mais um mexerico de vizinha desocupada ou apenas uma manobra para despistar a polícia? Pegou o caderninho no bolso do casaco e viu o próximo lugar onde devia ir: a residência do Silvio.
Ao chegar, o próprio lhe recebeu e pediu que entrasse, a esposa e o filho estavam na cozinha tomando café, por isso os dois decidiram conversar nos fundos da casa.
- No que posso ajuda-lo, delegado?
- Bem... Você sabe do que aconteceu, não é?
- Sei sim, pobre homem...
- Eu chequei nos registros da delegacia e vi que você é uma das pessoas com porte de arma na cidade. Gostaria de verifica-la, se possível.
Com uma feição que misturava estranheza e medo, Silvio que não quis contradizer a autoridade pediu-lhe que aguardasse um instante. Enquanto ele subiu até o quarto, sua esposa Carolina foi falar com Ratão.
- Posso falar com o senhor?
Surpreso com a segunda testemunha voluntária em menos de uma hora e quase sentindo-se como um padre no confessionário, ele fez menção com a cabeça autorizando ela a sentar-se.
- Olha, eu não sei o que o senhor sabe do caso, mas talvez eu tenha uma sugestão de quem teria motivo para mata-lo.
Ele inclinou-se um pouco para frente afim de prestar-lhe mais atenção, quando a resposta lhe causou espanto:
- Marília.
- Marília? Por quê?
- Bem, ela ou o marido. Tem um boato correndo por ai de que ela tinha um caso com o leiteiro.
- Boato, mas quem lhe disse isso exatamente?
- Ah, o senhor sabe. Boatos surgem e terminam no vento.
- Claro...
Silvio voltou assustado, e com os olhos arregalados falou que a arma sumiu.
- Como assim?
- Ela estava dentro do guarda-roupa, mas já revirei o quarto de ponta cabeça e não encontrei. Meu Deus! Será que não foi um dos meninos?
- Impossível, eu arrumei toda a casa ontem e não vi nada. Fora que ela ficava no alto, eles não alcançariam, nem subindo na cadeira.
- E quando foi a última vez que você a viu?
- Não sei exatamente, a uns três dias.
- Existe a chance de alguém ter invadido a casa e roubado ou de você tê-la deixado em algum lugar?
- Não, não, nada disso pode ter acontecido. Ninguém entrou aqui em casa e nunca saio com ela. – parou um pouco para pensar e continuou – quer dizer, só na quinta.
- Quinta? O que aconteceu?
- Ah, eu sai, fui na casa do Bernardo assistir o jogo. Ai levei minha arma para ele dar uma olhada, porque eu achava que tinha alguma coisa errada com o gatilho.
- E ele é especialista nisso?
- Ah, entende mais que eu. Já foi caçador.
- E você a trouxe de volta?
- Sim, com certeza...
- Mesmo?
- Mesmo. Lembro de tê-la colocado de volta no lugar.
Um tanto desconfiado, Ratão observa discretamente os pés dos dois e tentou segurar o riso ao perceber que ambos usavam calçados pequenos, trinta e seis ou trinta e oito, no máximo.
- Bem, e vocês não receberam nenhuma visita nos últimos dias?
- Não.
- Na verdade recebemos sim. – cortou Carolina.
- Quem? – perguntou espantado o marido.
- Na sexta, enquanto você estava fora a Helena e o Francisco vieram aqui a noite.
- E por que você não me falou?
- Desde quando tenho que te dar satisfações sobre meus amigos que vem me visitar?
- E qual foi o assunto?
- Ah, nenhum em particular. Só jogamos conversa fora, fazia tempo que não nos vínhamos. E eles também trouxeram algumas coisas que eu pedi do açougue.
- O que exatamente?
- Compras normais, uma peça de alcatra, um pouco de carne moída, arroz, ovos, leite.
- Leite? Pensei que vocês comprassem do leiteiro.
- Não. Preferimos o do açougue que é semidesnatado, o do leiteiro é muito gorduroso. Quer dizer, era...
- Silvio, onde você estava na sexta a noite?
- No bar, jogando truco.
- Ok, acho que já está bom. Silvio, mais tarde vai na delegacia, procura o Claudiano para fazer o boletim de ocorrências do sumiço da sua arma.
- Mas é necessário?
Estranhando a pergunta, a resposta foi simples:
- Claro. Alguém a roubou, não foi?
- Bem... não sabemos na verdade.
- Pois é justamente isso que vamos descobrir. Além do mais, existe uma arma a solta pela cidade, se alguém a usar para algo ilegal é melhor você estar prevenido.
Um pouco assustado Silvio concordou e acompanhou o delegado até a porta. Ao sair, Ratão decidiu ir até a próxima casa a pé, e foi pensando sobre o que já descobrira até então. A história do romance do leiteiro com Marília estava ganhando mais força, o que achava mais estranho era que ele próprio nunca tinha escutado isso e as únicas pessoas que diziam ter ouvido o tal boato se prontificaram a falar isso para o delegado, como se fizessem questão de deixar claro. Mas a arma de Silvio não estava lá e o que garantia que ele dizia a verdade? Como saber se não era uma armação dele para despistar a polícia? Agora já estava apertando a campainha de mais uma testemunha, dessa vez Francisco.
Quem lhe recebeu foi a esposa, Helena. Era uma mulher que chamava a atenção não por sua beleza e sim pela força. Era grande, cerca de 1,80 metros e com certeza mais de 90 quilos, além de uma voz grossa. Era conhecida pelos vizinhos maldosos como a “mulher macho” da cidade.
- Oi, meu marido está no açougue agora.
- Pensei que vocês não abrissem no domingo.
- E não abrimos mesmo, mas nesse fim de semana muita gente veio bater aqui na porta pedindo leite, devido a desgraça que aconteceu com o pobre Arivaldo.
- E vocês sabem de alguma coisa que possa nos ajudar nas investigações?
- Eu não sei de nada. Não éramos nem muito amigos. Só sei que a última vez que o vi foi ontem, quando entregava leite nos vizinhos.
- Certo. E vocês tem alguma arma em casa?
- Por quê? Desconfia que tenhamos feito alguma coisa?
- Não. É só uma averiguação de rotina em casos como esse.
- Temos sim, fica aqui na estante. Deixa eu pegar.
Ela levantou-se e mostrou a arma para o delegado que a observou atentamente, em todos os detalhes, devolvendo-a em seguida.
- Eu soube que fizeram uma visita à senhora Carolina na última sexta.
- Sim, fomos fazer algumas entregas e aproveitamos para colocar o papo em dia.
- E não surgiu nenhum assunto estranho, relacionado ao leiteiro, por acaso?
- Que eu lembre não. Quer dizer... quando eu voltei estavam falando sobre ele ser amante da Marília, eu acho. Mas depois pararam o assunto.
- Quando você voltou de onde?
- Tinha ido ao banheiro, quando voltei estavam o Francisco e a Carolina falando isso.
- Então foi o seu marido que levantou a dúvida para ela?
- Não sei, mas acho que não. As pessoas sempre comentam isso no açougue, com certeza os dois ouviram lá também.
- Hum... Bem, eu acho que vou até o açougue conversar com seu esposo, se não se incomoda.
- Claro que não. Espero poder ajuda-lo.
Ele esboçou um sorriso e saiu rumo ao estabelecimento. No caminho o celular tocou. Era o cabo Claudiano.
- Delegado, a perícia acabou de chegar.
- E então, já descobriram alguma coisa?
- Sim, acharam uma arma no fundo do lago.
- Uma arma? E você tem a numeração dela?
- Sim. Posso falar?
- Pode.
Por sorte, Ratão levava no bolso uma lista com a relação em posse dos três cidadãos, e aquela numeração, surpreendendo-o ou não, pertencia à Silvio.
- Olha só, acho que peguei o criminoso.
Decidiu ir até o açougue apenas para cumprir o protocolo, mas já tinha quase certeza do que ocorrera na noite anterior. Ao chegar deparou-se com uma fila de pessoas querendo pegar leite. Olhou dentro do balcão e Francisco ao vê-lo pediu que esperasse pois não podia deixar os clientes sem atendimento. Ele esperou, quase uma hora, mas esperou.
- Desculpe a demora, delegado. Como posso ser útil? – tudo que lhe faltava em tamanho sobrava-lhe em simpatia.
- Queria saber se vocês tinham algum tipo de relação com o Arivaldo.
- Não, não éramos amigos, nem nada. Nem leite pegávamos dele. Mas nada contra também.
- Estranhei vocês terem aberto hoje. Se me lembro, tinham dado entrada no pedido de falência do açougue.
- Pois é, os tempos não estavam fáceis e pra completar eu estou divorciando da Helena. Ai é ainda mais difícil. Mas como tinha bastante gente nos procurando hoje decidi abrir.
- Vocês estão divorciando?
- Sim... Parece que o amor acabou, sabe?
- Hum... E me diz uma coisa, quem costuma trabalhar aqui? Só você?
- Os dois. Mas eu fico mais na rua e ela no caixa, fazendo a parte administrativa, as compras.
- Certo. E por acaso você ouviu nos últimos dias alguma história de que o leiteiro tivesse uma amante?
- Olha, eu até ouvi, mas não dei muita bola, sabe como mulher é né? Adoram provocar um pouco de discórdia, principalmente quando estão infelizes com a própria vida, ai amam destruir a vida dos outros.
- Uhum... Sei bem. Obrigado pela sua atenção Francisco. E boa sorte aqui!
- Eu que agradeço.
Ratão estava feliz, pois em poucas horas acreditava ter solucionado o crime mais cruel daquela cidade no último século. Mas antes de ir à delegacia, pegou o carro e passou no lago para cumprimentar a equipe da capital que foi ajuda-lo e buscar o cabo Claudiano.
No caminho, contando tudo que investigou para o cabo, ele rapidamente chegou a uma conclusão:
- Ah, então quem matou foi o Bernardo, de ciúmes.
- Mas por que ele foi até a delegacia assim que descobrimos? Não teria sido burrice?
- Só se estivesse achando que nós descobriríamos o caso de qualquer forma e já se antecipou para que o descartássemos.
- E a arma do Silvio, o que fazia lá na lagoa? O Bernardo podia ter usado a dele para mata-lo.
- Mas daria muito na cara. Ele pode ser amante da Carolina, inventaram a história do romance entre a Marília e o leiteiro para terem uma desculpa, então tentaram incriminar o Silvio com a arma que a própria pegou e depois dariam um jeito de se livrar também da Marília, e poderiam viver felizes para sempre.
- Mas se tudo isso foi invenção, por que matar o leiteiro e não a Marília e culpar o Silvio? Não seria muito mais simples? Afinal, o que o leiteiro tinha a ver com a história?
- Pode ser que fossem amantes de verdade e a descoberta veio a calhar. Ou ele descobriu que Bernardo mantinha um caso com a Carolina, o que fez com que ela o matasse e por algum motivo tentou incriminar o amante, ou ainda sua esposa, já que sabia que ele veria o marido com a arma alguns dias antes.
- Bem... Tudo isso faz sentido, mas acho que tenho uma teoria que explica melhor o que aconteceu.
- E o que você vai fazer?
- Estou esperando um mandato de prisão de ser expedido. Vamos colocar o assassino na cadeia.
Mais de duas horas depois o mandado chegou às mãos do delegado que entrou no carro acompanhado do cabo, ligou a sirene e foi em direção à casa de Francisco. Ao chegar, encontrou além dele e da esposa, Bernardo, Marília, Silvio e Carolina.
- Que bom que vieram.
- Por que o senhor pediu que eles viessem para cá? – Perguntou Helena.
- Porque todos aqui foram vítimas da dissimulação de um assassino frio.
- Quem?
- A senhora, dona Helena. Você está presa e tudo que disser poderá ser usado contra você no tribunal. Tem direito a um advogado para defendê-la.
Após algemá-la, em meio à surpresa de todos ali, Ratão pôs-se a explicar o que aconteceu.
- Bem, em uma cidade pequena é difícil ter concorrência, e por algum motivo o açougue está mal das pernas e vocês estão em processo de divórcio, o que na pior das hipóteses pode fazer com que os dois saiam no prejuízo devido às dívidas do negócio. O jeito era encontrar algo que pudesse ser vendido. A carne não era tão vantajosa pois é muito fácil ir para o centro e comprar mais barato lá, o jeito era apostar no leite, mas em uma cidade acostumada com um leiteiro que faz a entrega todos os dias pela manhã na porta das casas, a única forma de alavancar isso seria com a morte dele. E foi isso que a senhora providenciou.
- Você não sabe o que está falando! Vai se arrepender disso.
- Bem, o curioso é que vocês basicamente vendiam leite desnatado em pouca quantidade e hoje quando a cidade toda lhes procurou, vocês já tinham um estoque que atendia a todo mundo, ou seja, a pessoa responsável pela administração e pelas compras, ou seja, a senhora, já havia se preparado com antecedência. Ai eu pergunto: como? Mas você sabia também que precisava despistar a polícia, então quando foi na casa da Carolina na sexta, ela provavelmente comentou que o marido havia levado a arma para o Bernardo ver e então teve uma ideia. Já tendo conhecimento do boato de que o Arivaldo era amante da Marília, decidiu ir ao banheiro, mas foi no quarto do casal, procurou a arma e a levou embora, pois acreditou que ligaríamos a história da traição com a possibilidade de o Bernardo ter pego a arma do amigo no dia anterior, tentando incriminá-lo.
- Meu Deus! Você fez isso mesmo? – perguntou a surpresa Marília.
- Que monstro você é? – disse Francisco com os olhos marejados.
Helena não conseguiu segurar o choro, o que já lhe servia como uma confissão. Então o cabo fez uma outra pergunta ao seu superior:
- Mas e a marca de sapato que encontramos lá?
- Era dela. Olha o tamanho do corpo e olha o pé. Com altura de homem, o pé também pode medir tranquilamente quarenta dois.
Todos olharam para o sapato dela e constataram que era verdade aquilo também.
Ela saiu algemada, levada por Ratão e Claudiano. Francisco os acompanhou até a rua e dentro da casa, Bernardo perguntou para a esposa:
- Marília, você teve realmente algum envolvimento com ele?
- Que absurdo, meu amor! Claro que não.
Embora soubesse que aquilo não tinha nenhuma ligação com o assassinato, preferiu não contar a verdade sobre isso para o marido. Esse segredo, Arivaldo, o leiteiro, levou para o túmulo.