sábado, 10 de outubro de 2015

O sonho de Marcela

Marcela tinha um sonho: ser famosa. Há quem diga que ela tinha talento, mas isso não era unanimidade. A única coisa com que todos concordavam é que ela levava jeito para chamar as atenções para si. Era incansável o número de vídeos enviados para a seleção de reality shows de confinamento, namoro, sobrevivência na selva e até para aqueles que exigiam um pouquinho de dom – culinária, musicais, novos atores. Os diretores de TV já deviam estar cansados de vê-la, senão em vídeo, nas plateias onde ela era quase onipresente, e SEMPRE, SEMPRE, SEMPRE participava quando davam oportunidades (ou não). Os editores das principais emissoras não aguentavam mais cortar sua imagem. O clima em cima dela era tão pesado que os organizadores de caravanas já não a queriam nem fantasiada de Xuxa.

Mas Marcela tinha um sonho: ser famosa, por isso não se abalou com a perseguição que sofria, pelo contrário, isso apenas lhe dava mais ânimo para buscar novas formas de conquistar a fama. E eis que surgiu a grande ideia! A partir de agora ela não seria Marcela, seu nome era Mary Star. A nova identidade veio com o pacote completo: os cabelos longos e negros deram lugar a um corte Chanel cor-de-rosa, os olhos castanhos ficaram verdes graças à mágica das lentes, as roupas que já eram curtas, bem... ficaram ainda menores. Se o seu objetivo era chamar a atenção, pelo menos na rua ela já fazia sucesso. Era impossível vê-la e não notá-la, por onde passava virava o assunto. Era comum ver celulares posicionados para fotografá-la e chegaram a fazer até página nas redes sociais. A Mary “Street” (já que poucos sabiam quem era) virou um dos memes mais compartilhados na web. Mas não era isso que era queria. Ela queria apresentar um programa em horário nobre para o Brasil inteiro e não ficar apenas na internet. Eis que foi sacada sua carta da manga.

A agora Mary Star tinha um sonho: ser famosa na televisão e para realizá-lo estava disposta a fazer tudo. Usando sua popularidade online, postou um vídeo intitulado “Me chama Globo”, onde fez uso da melhor cara lavada que tinha para pedir emprego na emissora da família Marinho. Não se sabe que os executivos globais souberam dessa gravação, mas a concorrência soube e não demorou para ela começar a realizar seu grande sonho – ser entrevistada no palco de um talk-show.

Não era exatamente o que ela esperava, mas para início de carreira, já estava bom. O programa: “SubPop”, famoso pelas conversas proibidas a menores de dezoito anos e pela revelação de pseudo-celebridades, que na prática só eram conhecidos da família, (mas isso nem a Mary era direito, afinal apenas seus pais acompanharam o processo de mudança da filha. Os tios, primos e amigos mais distantes ao vê-la na TV nem suspeitaram se tratar da Marcela). O assunto discutido era “tudo pela fama” e na roda de conversa estavam também ex-paquitas, ex-chacretes e ex-bbb. A participação no programa lhe rendeu diversas outras aparições na mesma emissora, sempre falando de assuntos banais, com a câmera filmando suas pernas afim de atrair um ou dois pontos de audiência. Mas a Globo mesmo, nem dava sinal...

Podia estar bom para qualquer mortal, mas aquele não era o sonho de Mary Star. O seu sonho já sabemos qual era, o que não poderíamos imaginar é que ele a levaria tão longe. Após quase um ano participando de diversos programas popularescos, Mary decide fazer diferente, ir na porta da TV Globo, pedir pessoalmente uma oportunidade. De repente os diretores tinham que vê-la em carne e osso para testificarem de seu carisma e espontaneidade. Mas ela não trabalhava e a única fonte de renda eram os cachês que recebia no outro canal, o que mal dava para comer. O jeito encontrado para viajar de São Paulo ao Rio de Janeiro foi pedir doações na internet. Em pouco tempo a corrente ‪#‎starrumoaosucesso‬ virou febre e arrecadou o suficiente para comprar a passagem de ida e volta, de ônibus já que ela tinha medo de avião. Pois bem, Mary embarcou na rodoviária do Tietê em uma noite chuvosa e de muito trânsito. Em sua mão havia uma câmera registrando cada momento da viagem, que viraria um reality-show no SubPop. Mas ela dormiu e não viu o que estava prestes a acontecer. O motorista estava cansado e a pista escorregadia, em questão de segundos o ônibus caiu em uma ribanceira, matando todos os passageiros.

Mary Star tinha um sonho: ser famosa. Mas um acidente mudaria seus planos. Na verdade o acidente poderia até concretizá-lo, afinal foi notícia até no Jornal Nacional. Mas entre tanta vítima mostrada, não havia a famosa. O SubPop e outros programas, como o “A tragédia é sua” fizeram uma ampla cobertura. Foram usadas imagens de arquivo e da internet de Mary, foi revelado seu nome verdadeiro, Marcela, chamaram videntes para conversar com ela após a morte, amigos de infância e até os organizadores das caravanas que a proibiram de participar das plateias. Enfim, tudo tornou-se um verdadeiro circo, dando a agora falecida a fama que ela tanto queria. Na verdade não era exatamente o que ela queria, porque a Globo mesmo, nem passou perto de perceber sua existência.

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