sábado, 10 de outubro de 2015

A morte do leiteiro

Marília levantou-se cedo, lavou o rosto, escovou os dentes, trocou de roupa, pôs a água no fogo, tirou o bolo da geladeira e foi buscar o leite que Arivaldo deixava todas as manhãs em sua porta. Naquele dia, porém, ao abri-la, não encontrou nada. Olhou no relógio para certificar-se do horário, mas já estava tarde, ele se atrasou mesmo. Outras vizinhas estavam na mesma situação. Todas se olharam e começaram a estranhar a demora do leiteiro que por anos era pontualíssimo.

Enquanto Marília ainda estava no quintal, o carro da polícia passou em alta velocidade, com a sirene ligada, o que acordou aqueles que ainda dormiam. Curiosas, algumas pessoas seguiram até o lago, que acabara de ser isolado pelo cabo Claudiano para averiguação do delegado Ratão.

- Senhor, o que é aquilo boiando na água? – perguntou o inexperiente cabo.

- Não vê que é um corpo?

- Meu Deus! Será que se afogou?

- Não sabemos, vamos ter esperar os peritos da capital chegarem para descobrirmos. – parou por um instante e observou uma marca no chão – quer dizer, acho que já sei o que aconteceu. Ele foi assassinado.

- Assassinado? – perguntou o assustado Claudiano.

- Sim, olha essa marca de sangue no chão. Ainda tem o rastro até a água. Provavelmente o mataram aqui e arrastaram o corpo para o lago.

- Ah não... E o assassino, quem foi? Ainda está solto?

Ratão o olhou com desgosto, quase que se arrependendo de tê-lo aceito como seu assistente. Mas esperar o que de uma cidade pequena onde o crime mais cruel que se cometia era roubo de galinha?

- É exatamente isso que temos de descobrir. – olhou ao redor e percebeu que os curiosos estavam aumentando em número e com as fofocas. Já tinham praticamente deduzido de quem era o cadáver. – Escuta, você precisa ficar aqui e garantir que ninguém se aproxime da cena do crime, até os legistas chegarem.

- Sim senhor. Mas você vai demorar?

- Espero que não. Mas preciso investigar o caso. O assassino está a solta.

Meio a contragosto, o cabo aceitou, mas manteve-se o tempo todo atento a qualquer movimentação estranha, no menor sinal de alerta sairia correndo. Enquanto se afastava, o delegado parou novamente na marca de sangue e recolheu uma cápsula de bala, colocando-o cuidadosamente dentro de uma saco plástico. Alguns passos a frente encontrou uma pegada e pôs o próprio pé sobre ela, sem encostar, constatando pertencer a uma sapato mais ou menos do tamanho do seu: quarenta e dois. Em seguida pegou o carro da polícia e foi em direção à delegacia.

Em sua sala, Ratão reclinou a cadeira e começou a pensar no que poderia ter acontecido. Em uma cidadezinha tão pacata onde nenhuma mosca no verão era morta, o que levaria alguém a matar o leiteiro, logo ele, um cara tão legal, sem inimigos e muito querido pelas pessoas? Claudiano não era casado, não tinha filhos, morava sozinho, então seria difícil saber por onde começar a investigação. Para a sua surpresa, alguém bateu na porta de sua sala e ao virar-se viu que era Bernardo.

- Desculpe, delegado, mas eu vi o que aconteceu no lago e acho que sei de alguma coisa que pode ajuda-lo.

Ratão o olhou desconfiado, não estava acostumado a ver provas e testemunhas surgirem tão facilmente, mas baixou a guarda e convidou-lhe a sentar. Apoiou os cotovelos sobre a mesa unindo as mãos sob o queixo, mantendo toda a atenção no homem a sua frente.

- Então, é difícil para eu dizer isso, mas acho que minha esposa era amante dele.

- Do leiteiro? – disse Ratão erguendo uma das sobrancelhas.

- Isso. Eu... Sei lá, não tenho certeza e nem provas, mas a Marília anda meio estranha. Fora que...

- Fora que o quê?

- É que escutei umas conversas, uns boatos dizendo que os dois estavam me apunhalando... se o senhor me entende...

- Entendo sim, eu só não entendi ainda se você tem alguma opinião sobre quem matou ele.

- Não, não. Não faço ideia de quem possa ter feito uma coisa dessas.

- Mas você considerou importante eu saber dessa história.

- Sim. Sei lá... Talvez você descobrisse de alguma outra forma e eu queria me antecipar.

- Claro, entendo. – falou um pouco resistente. – bem, mas de qualquer maneira, se você souber de mais alguma coisa, por favor me procure.

- Pode deixar. Obrigado, delegado.

Quando Bernardo saiu, Ratão voltou a sua introspeção, considerou suspeito ele ter se antecipado a dar uma declaração, principalmente sabendo que sua mulher o traia. Aquilo podia ser um tiro no pé ou um blefe, afinal, se ele era o traído, não teria outra pessoa mais interessada na morte do leiteiro. Lembrou-se então, da cápsula que encontrou perto da cena do crime e foi olhar os registros de posse de arma de fogo na cidade. O bom de ali ter poucos habitantes era a facilidade para se catalogar praticamente tudo, como o registro de armamentos. Havia apenas três civis habilitados a possuir revólver: Silvio, Francisco e... Bernardo.

Ratão decidiu se dirigir então até a casa de Marília, aquele devia ser seu ponto de partida, dada a informação do marido. Ao atender a porta ela inicialmente se assustou com a visita mas pediu que ele entrasse e se acomodasse na sala.

- A senhora já deve saber o que aconteceu.

- Oh, que tristeza. Como alguém seria capaz de fazer algo com aquilo, ainda mais com uma pessoa tão querida como o leiteiro?

- Como era sua relação com ele?

Visivelmente constrangida, Marília pigarreou antes da resposta:

- Como assim? Não tinha relação com ele. Todos se conhecem aqui na cidade, principalmente a pessoa que leva leite na sua casa todas as manhãs.

- Mas vocês não eram amigos?

- Como eu disse, delegado. Éramos tão amigos quanto qualquer outra pessoa da cidade.

- Então posso considerar que vocês só se viam pela manhã, quando ele entregava o leite?

- Nem isso, geralmente quando eu acordava ele já havia passado.

- Seu marido possui uma arma aqui em casa, não é?

- É sim, por quê?

- Bem, não estou desconfiando de ninguém, mas provavelmente o assassino usou um revólver e como poucas pessoas tem autorização para posse aqui na cidade, preciso checar todas.

Ela levantou-se, subiu até o quarto e voltou trazendo uma caixa de madeira. O delegado pegou, a abriu, tirou o pano de cima e segurou a arma que estava limpa e parecia estar guardada a muito tempo.

- Nem lembro quando foi a última vez que Bernardo a usou.

- Realmente, não aparenta ter sido manuseada a muito tempo. Pode guardar.

Ela o recolou cuidadosamente na caixa e a pôs sobre a mesa de centro.

- E sobre um boato de que vocês teriam um caso. A senhora sabe de alguma coisa?

- O quê? Que boato é esse? – falou quase gaguejando.

- Bem, eu ouvi dizer que a senhora mantinha um caso amoroso com o Arivaldo.

- Mas que absurdo é esse? Quem lhe contou isso?

- Como eu disse era só um boato. E como ele está morto agora, preciso descartar todas as possibilidades.

- Está dizendo que eu sou uma suspeita?

- Nesse momento todos são suspeitos, dona Marília. Mas não estou acusando-a de nada.

Ela estava visivelmente desconfortável, o que fez com que Ratão desse por encerrado o assunto ali.

- Bem, se souber de mais alguma coisa, ou lembrar, me procure por favor. E desculpe pelo incômodo.

- Tudo bem. – Ela fez menção de levantar-se mas ele agradeceu-lhe, justificando já conhecer a saída.

No caminho até a porta, porém, havia uma parede que impedia a visão de quem estava na sala. Ali, Ratão viu um par de botas que julgou pertencer a Bernardo, e rapidamente pegou uma delas, virou o solado que estava limpo mas que lhe indicara uma valiosa informação: o número era quarenta e dois.
Ao sair, parou na varanda por alguns minutos pensando no depoimento que acabara de recolher e tentando montar as primeiras peças daquele quebra-cabeça. Será que alguém estava tentando criar um caso de amor que não existia? Seria aquilo verdade, mais um mexerico de vizinha desocupada ou apenas uma manobra para despistar a polícia? Pegou o caderninho no bolso do casaco e viu o próximo lugar onde devia ir: a residência do Silvio.

Ao chegar, o próprio lhe recebeu e pediu que entrasse, a esposa e o filho estavam na cozinha tomando café, por isso os dois decidiram conversar nos fundos da casa.

- No que posso ajuda-lo, delegado?

- Bem... Você sabe do que aconteceu, não é?

- Sei sim, pobre homem...

- Eu chequei nos registros da delegacia e vi que você é uma das pessoas com porte de arma na cidade. Gostaria de verifica-la, se possível.

Com uma feição que misturava estranheza e medo, Silvio que não quis contradizer a autoridade pediu-lhe que aguardasse um instante. Enquanto ele subiu até o quarto, sua esposa Carolina foi falar com Ratão.

- Posso falar com o senhor?

Surpreso com a segunda testemunha voluntária em menos de uma hora e quase sentindo-se como um padre no confessionário, ele fez menção com a cabeça autorizando ela a sentar-se.

- Olha, eu não sei o que o senhor sabe do caso, mas talvez eu tenha uma sugestão de quem teria motivo para mata-lo.

Ele inclinou-se um pouco para frente afim de prestar-lhe mais atenção, quando a resposta lhe causou espanto:

- Marília.

- Marília? Por quê?

- Bem, ela ou o marido. Tem um boato correndo por ai de que ela tinha um caso com o leiteiro.

- Boato, mas quem lhe disse isso exatamente?

- Ah, o senhor sabe. Boatos surgem e terminam no vento.

- Claro...

Silvio voltou assustado, e com os olhos arregalados falou que a arma sumiu.

- Como assim?

- Ela estava dentro do guarda-roupa, mas já revirei o quarto de ponta cabeça e não encontrei. Meu Deus! Será que não foi um dos meninos?

- Impossível, eu arrumei toda a casa ontem e não vi nada. Fora que ela ficava no alto, eles não alcançariam, nem subindo na cadeira.

- E quando foi a última vez que você a viu?

- Não sei exatamente, a uns três dias.

- Existe a chance de alguém ter invadido a casa e roubado ou de você tê-la deixado em algum lugar?

- Não, não, nada disso pode ter acontecido. Ninguém entrou aqui em casa e nunca saio com ela. – parou um pouco para pensar e continuou – quer dizer, só na quinta.

- Quinta? O que aconteceu?

- Ah, eu sai, fui na casa do Bernardo assistir o jogo. Ai levei minha arma para ele dar uma olhada, porque eu achava que tinha alguma coisa errada com o gatilho.

- E ele é especialista nisso?

- Ah, entende mais que eu. Já foi caçador.

- E você a trouxe de volta?

- Sim, com certeza...

- Mesmo?

- Mesmo. Lembro de tê-la colocado de volta no lugar.

Um tanto desconfiado, Ratão observa discretamente os pés dos dois e tentou segurar o riso ao perceber que ambos usavam calçados pequenos, trinta e seis ou trinta e oito, no máximo.

- Bem, e vocês não receberam nenhuma visita nos últimos dias?

- Não.

- Na verdade recebemos sim. – cortou Carolina.

- Quem? – perguntou espantado o marido.


- Na sexta, enquanto você estava fora a Helena e o Francisco vieram aqui a noite.

- E por que você não me falou?

- Desde quando tenho que te dar satisfações sobre meus amigos que vem me visitar?

- E qual foi o assunto?

- Ah, nenhum em particular. Só jogamos conversa fora, fazia tempo que não nos vínhamos. E eles também trouxeram algumas coisas que eu pedi do açougue.

- O que exatamente?

- Compras normais, uma peça de alcatra, um pouco de carne moída, arroz, ovos, leite.

- Leite? Pensei que vocês comprassem do leiteiro.

- Não. Preferimos o do açougue que é semidesnatado, o do leiteiro é muito gorduroso. Quer dizer, era...

- Silvio, onde você estava na sexta a noite?

- No bar, jogando truco.

- Ok, acho que já está bom. Silvio, mais tarde vai na delegacia, procura o Claudiano para fazer o boletim de ocorrências do sumiço da sua arma.

- Mas é necessário?

Estranhando a pergunta, a resposta foi simples:

- Claro. Alguém a roubou, não foi?

- Bem... não sabemos na verdade.

- Pois é justamente isso que vamos descobrir. Além do mais, existe uma arma a solta pela cidade, se alguém a usar para algo ilegal é melhor você estar prevenido.

Um pouco assustado Silvio concordou e acompanhou o delegado até a porta. Ao sair, Ratão decidiu ir até a próxima casa a pé, e foi pensando sobre o que já descobrira até então. A história do romance do leiteiro com Marília estava ganhando mais força, o que achava mais estranho era que ele próprio nunca tinha escutado isso e as únicas pessoas que diziam ter ouvido o tal boato se prontificaram a falar isso para o delegado, como se fizessem questão de deixar claro. Mas a arma de Silvio não estava lá e o que garantia que ele dizia a verdade? Como saber se não era uma armação dele para despistar a polícia? Agora já estava apertando a campainha de mais uma testemunha, dessa vez Francisco.
Quem lhe recebeu foi a esposa, Helena. Era uma mulher que chamava a atenção não por sua beleza e sim pela força. Era grande, cerca de 1,80 metros e com certeza mais de 90 quilos, além de uma voz grossa. Era conhecida pelos vizinhos maldosos como a “mulher macho” da cidade.

- Oi, meu marido está no açougue agora.

- Pensei que vocês não abrissem no domingo.

- E não abrimos mesmo, mas nesse fim de semana muita gente veio bater aqui na porta pedindo leite, devido a desgraça que aconteceu com o pobre Arivaldo.

- E vocês sabem de alguma coisa que possa nos ajudar nas investigações?

- Eu não sei de nada. Não éramos nem muito amigos. Só sei que a última vez que o vi foi ontem, quando entregava leite nos vizinhos.

- Certo. E vocês tem alguma arma em casa?

- Por quê? Desconfia que tenhamos feito alguma coisa?

- Não. É só uma averiguação de rotina em casos como esse.

- Temos sim, fica aqui na estante. Deixa eu pegar.

Ela levantou-se e mostrou a arma para o delegado que a observou atentamente, em todos os detalhes, devolvendo-a em seguida.

- Eu soube que fizeram uma visita à senhora Carolina na última sexta.

- Sim, fomos fazer algumas entregas e aproveitamos para colocar o papo em dia.

- E não surgiu nenhum assunto estranho, relacionado ao leiteiro, por acaso?

- Que eu lembre não. Quer dizer... quando eu voltei estavam falando sobre ele ser amante da Marília, eu acho. Mas depois pararam o assunto.

- Quando você voltou de onde?

- Tinha ido ao banheiro, quando voltei estavam o Francisco e a Carolina falando isso.

- Então foi o seu marido que levantou a dúvida para ela?

- Não sei, mas acho que não. As pessoas sempre comentam isso no açougue, com certeza os dois ouviram lá também.

- Hum... Bem, eu acho que vou até o açougue conversar com seu esposo, se não se incomoda.
- Claro que não. Espero poder ajuda-lo.

Ele esboçou um sorriso e saiu rumo ao estabelecimento. No caminho o celular tocou. Era o cabo Claudiano.

- Delegado, a perícia acabou de chegar.

- E então, já descobriram alguma coisa?

- Sim, acharam uma arma no fundo do lago.

- Uma arma? E você tem a numeração dela?

- Sim. Posso falar?

- Pode.

Por sorte, Ratão levava no bolso uma lista com a relação em posse dos três cidadãos, e aquela numeração, surpreendendo-o ou não, pertencia à Silvio.

- Olha só, acho que peguei o criminoso.

Decidiu ir até o açougue apenas para cumprir o protocolo, mas já tinha quase certeza do que ocorrera na noite anterior. Ao chegar deparou-se com uma fila de pessoas querendo pegar leite. Olhou dentro do balcão e Francisco ao vê-lo pediu que esperasse pois não podia deixar os clientes sem atendimento. Ele esperou, quase uma hora, mas esperou.

- Desculpe a demora, delegado. Como posso ser útil? – tudo que lhe faltava em tamanho sobrava-lhe em simpatia.

- Queria saber se vocês tinham algum tipo de relação com o Arivaldo.

- Não, não éramos amigos, nem nada. Nem leite pegávamos dele. Mas nada contra também.

- Estranhei vocês terem aberto hoje. Se me lembro, tinham dado entrada no pedido de falência do açougue.

- Pois é, os tempos não estavam fáceis e pra completar eu estou divorciando da Helena. Ai é ainda mais difícil. Mas como tinha bastante gente nos procurando hoje decidi abrir.
- Vocês estão divorciando?

- Sim... Parece que o amor acabou, sabe?

- Hum... E me diz uma coisa, quem costuma trabalhar aqui? Só você?

- Os dois. Mas eu fico mais na rua e ela no caixa, fazendo a parte administrativa, as compras.

- Certo. E por acaso você ouviu nos últimos dias alguma história de que o leiteiro tivesse uma amante?

- Olha, eu até ouvi, mas não dei muita bola, sabe como mulher é né? Adoram provocar um pouco de discórdia, principalmente quando estão infelizes com a própria vida, ai amam destruir a vida dos outros.

- Uhum... Sei bem. Obrigado pela sua atenção Francisco. E boa sorte aqui!

- Eu que agradeço.

Ratão estava feliz, pois em poucas horas acreditava ter solucionado o crime mais cruel daquela cidade no último século. Mas antes de ir à delegacia, pegou o carro e passou no lago para cumprimentar a equipe da capital que foi ajuda-lo e buscar o cabo Claudiano.

No caminho, contando tudo que investigou para o cabo, ele rapidamente chegou a uma conclusão:

- Ah, então quem matou foi o Bernardo, de ciúmes.

- Mas por que ele foi até a delegacia assim que descobrimos? Não teria sido burrice?

- Só se estivesse achando que nós descobriríamos o caso de qualquer forma e já se antecipou para que o descartássemos.

- E a arma do Silvio, o que fazia lá na lagoa? O Bernardo podia ter usado a dele para mata-lo.

- Mas daria muito na cara. Ele pode ser amante da Carolina, inventaram a história do romance entre a Marília e o leiteiro para terem uma desculpa, então tentaram incriminar o Silvio com a arma que a própria pegou e depois dariam um jeito de se livrar também da Marília, e poderiam viver felizes para sempre.

- Mas se tudo isso foi invenção, por que matar o leiteiro e não a Marília e culpar o Silvio? Não seria muito mais simples? Afinal, o que o leiteiro tinha a ver com a história?

- Pode ser que fossem amantes de verdade e a descoberta veio a calhar. Ou ele descobriu que Bernardo mantinha um caso com a Carolina, o que fez com que ela o matasse e por algum motivo tentou incriminar o amante, ou ainda sua esposa, já que sabia que ele veria o marido com a arma alguns dias antes.

- Bem... Tudo isso faz sentido, mas acho que tenho uma teoria que explica melhor o que aconteceu.

- E o que você vai fazer?

- Estou esperando um mandato de prisão de ser expedido. Vamos colocar o assassino na cadeia.
Mais de duas horas depois o mandado chegou às mãos do delegado que entrou no carro acompanhado do cabo, ligou a sirene e foi em direção à casa de Francisco. Ao chegar, encontrou além dele e da esposa, Bernardo, Marília, Silvio e Carolina.

- Que bom que vieram.

- Por que o senhor pediu que eles viessem para cá? – Perguntou Helena.

- Porque todos aqui foram vítimas da dissimulação de um assassino frio.

- Quem?

- A senhora, dona Helena. Você está presa e tudo que disser poderá ser usado contra você no tribunal. Tem direito a um advogado para defendê-la.

Após algemá-la, em meio à surpresa de todos ali, Ratão pôs-se a explicar o que aconteceu.

- Bem, em uma cidade pequena é difícil ter concorrência, e por algum motivo o açougue está mal das pernas e vocês estão em processo de divórcio, o que na pior das hipóteses pode fazer com que os dois saiam no prejuízo devido às dívidas do negócio. O jeito era encontrar algo que pudesse ser vendido. A carne não era tão vantajosa pois é muito fácil ir para o centro e comprar mais barato lá, o jeito era apostar no leite, mas em uma cidade acostumada com um leiteiro que faz a entrega todos os dias pela manhã na porta das casas, a única forma de alavancar isso seria com a morte dele. E foi isso que a senhora providenciou.

- Você não sabe o que está falando! Vai se arrepender disso.

- Bem, o curioso é que vocês basicamente vendiam leite desnatado em pouca quantidade e hoje quando a cidade toda lhes procurou, vocês já tinham um estoque que atendia a todo mundo, ou seja, a pessoa responsável pela administração e pelas compras, ou seja, a senhora, já havia se preparado com antecedência. Ai eu pergunto: como? Mas você sabia também que precisava despistar a polícia, então quando foi na casa da Carolina na sexta, ela provavelmente comentou que o marido havia levado a arma para o Bernardo ver e então teve uma ideia. Já tendo conhecimento do boato de que o Arivaldo era amante da Marília, decidiu ir ao banheiro, mas foi no quarto do casal, procurou a arma e a levou embora, pois acreditou que ligaríamos a história da traição com a possibilidade de o Bernardo ter pego a arma do amigo no dia anterior, tentando incriminá-lo.

- Meu Deus! Você fez isso mesmo? – perguntou a surpresa Marília.

- Que monstro você é? – disse Francisco com os olhos marejados.

Helena não conseguiu segurar o choro, o que já lhe servia como uma confissão. Então o cabo fez uma outra pergunta ao seu superior:

- Mas e a marca de sapato que encontramos lá?

- Era dela. Olha o tamanho do corpo e olha o pé. Com altura de homem, o pé também pode medir tranquilamente quarenta dois.

Todos olharam para o sapato dela e constataram que era verdade aquilo também.

Ela saiu algemada, levada por Ratão e Claudiano. Francisco os acompanhou até a rua e dentro da casa, Bernardo perguntou para a esposa:

- Marília, você teve realmente algum envolvimento com ele?

- Que absurdo, meu amor! Claro que não.

Embora soubesse que aquilo não tinha nenhuma ligação com o assassinato, preferiu não contar a verdade sobre isso para o marido. Esse segredo, Arivaldo, o leiteiro, levou para o túmulo.

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