sábado, 10 de outubro de 2015

O espetáculo do século

Naquela manhã, Gustavo saltou da cama pontualmente às 6 horas, e nem foi preciso o despertador tocar, na verdade ele mal dormira a noite ansioso por aquele dia. Sua mãe o recebeu admirada enquanto preparava o café.

- Meu filho, você precisa descansar, a viagem será longa.

Ele, porém, já estava elétrico. Toda a energia que uma criança de sete anos pode ter se concentrara nele. Sua família iria até Campinas, a alguns quilômetros de distância, prestigiar aquele que vinha sendo considerado o maior evento da Terra nos últimos anos. O governo preparou diversos ônibus que levariam as pessoas de todo o país para a assistirem. Alguns estrangeiros, argentinos e paraguaios principalmente, já estavam acampados a pelo menos uma semana. A expectativa era tão grande que a maioria das empresas deu os três dias de folga aos seus funcionários, além do fatídico dia, o anterior e o seguinte, para que todos pudessem viajar tranquilos.

Nelson logo chegou trazendo pães. Cumprimentou a esposa com um beijo na testa e Gustavo com um cafuné na careca.

- Ei menino, a quanto tempo você não passa creme na cabeça?

- Ah, pelo que conheço dele a um bom tempo. Se eu não lavo esse menino, ele fica todo engordurado.

- Mas pra que se lavar? Hoje poderemos tomar um banho de verdade!

Nelson e sua esposa se entreolharam tristes e continuarem a preparar as coisas.

As passagens já haviam sido compradas a muito tempo e os três chegaram à rodoviária com meia hora de antecedência, mas como saiam ônibus a cada quinze minutos, o terminal estava muito lotado. Gustavo logo começou a se desesperar.

- Calma, meu filho. – sua mãe tentou acalmá-lo. – eu sei que você não está acostumado com tanta gente mas é rápido, daqui a pouco chegaremos lá.

Embora Gian Lareote não fosse uma unanimidade entre os eleitores, afinal foi eleito presidente vitalício com 52% dos votos, era inquestionável sua capacidade de organização. Muitos temiam sua pouca experiência na gestão pública, com apenas trinta anos, mas a colher de chá lhe foi dada mais ou menos com a tranquilidade de que se ele fizer um mal governo suas chances de ser “apagado” eram muito altas, pelo menos foi assim que os últimos três terminaram. Mas em seu primeiro ano à frente daquele Brasil caótico, o transporte público melhorou muito. Com a proibição de carros particulares circularem, os ônibus e os poucos trens eram a única opção de deslocamento, mas até então sofriam com o descaso dos órgãos competentes. Gian teve como principal promessa de campanha a modernização e aumento da frota, promessa essa que foi atendida imediatamente após a eleição. O bom é que o trânsito já não existia mais e todos podiam viajar razoavelmente confortáveis dentro dos coletivos.

Finalmente o momento do embarque chegou, Gustavo e a mãe sentaram nas primeiras cadeiras, enquanto Nelson os acompanhou ao seu lado, em pé no corredor. O assunto entre todos os passageiros era um só, todos aguardavam ansiosamente aquele espetáculo raro e que ninguém fazia ideia de quando ocorreria novamente. A última vez que havia um registro sobre aquilo datava de mais de duzentos anos antes, em 2300, na Califórnia, Estados Unidos. Para Gustavo, porém, o mais importante era a paisagem que os acompanhava na janela. Passaram por uma longa estrada bem cuidada, mas não havia nenhuma casa, nem posto e nem nada nas margens. Era apenas um grande deserto. Via-se muita areia e uma poeira vermelha que subia no horizonte. Gustavo olhou para a sua mãe e perguntou:

- Por que a senhora usa esse lenço?

- Ué, todas as mulheres usam, filho.

E era verdade. No ônibus todas as passageiras usavam lenços para cobrir a careca. O estilo dava-se pelas estampas que iam desde flores coloridas a grandes fênix cor de fogo.

- E por que os homens também não usam?

- Ah, porque lenço é coisa de mulher.

- Hum... E boné. É coisa de criança?

Os pais riram da ingenuidade do menino, que ainda não era capaz de enxergar as mazelas que a vida lhes oferecia.

- Mamãe, eu tô com sede.

- Gu, você já bebeu sua cota de água hoje de manhã, não foi? Agora tem que esperar a noite.

- Mas mãe... Nós não vamos poder beber daqui a pouco?

- Não sei, é melhor esperarmos chegar lá então.

Em menos de duas horas eles já estavam na cidade. O ônibus estacionou ao lado de diversos outros e todos foram descendo ansiosos. A primeira coisa que viram foram várias equipes de reportagem, de todo o mundo, que gravavam matérias, entrevistavam especialistas, curiosos, políticos. Um grande palco foi montado no centro para um show com os principais nomes da música brasileira. Os artistas vinham se apresentando desde a noite anterior e conforme terminavam de cantar iam sendo disputados pelos repórteres, principalmente os que buscavam subcelebridades. Mas quando o presidente da república, Gian, chegou todas as atenções se voltaram para ele, que misteriosamente preferiu manter o silêncio embora a multidão o chamava para um discurso naquele dia tão solene.
Era 3 da tarde e segundo a previsão dos cientistas, o esperado acontecimento ocorreria dentro de alguns minutos. Uma grande multidão aguardava em volta de uma gigantesca cratera aberta pelo governo a um ano quando começaram as especulações sobre aquele fenômeno. Embora muita gente quisesse levar baldes, panelas, garrafas, os organizadores vetaram esses objetos sob a alegação de aquele era um bem comum e que portanto era responsabilidade do Estado fazer toda a captação necessária para uma distribuição justa dos recursos.

Gustavo estava em pé, entre seus pais, todos olhando ansiosamente para o céu, que já estava com uma coloração um pouco mais escura. De repente, o garoto sente algo pingando em seu rosto.

- Ei! Caiu alguma coisa em mim!

Todos o olharam felizes e logo outras pessoas começaram a sentir pequenas partículas de água caindo. Quando menos esperavam, ouviram um forte barulho e todos se apavoraram, sem saber de onde via. Um meteorologista anunciou no sistema de som que era o que antigamente conhecia-se como trovão ou relâmpago, eles não sabiam ao certo, mas que todos poderiam ficar calmos. Ao terminar de falar, começou um pé d’água no exato local onde estavam. Todos ficaram encantados e queriam correr para se molharam. Os seguranças não permitiam, pois isso atrapalharia o escoamento da água paras as canaletas projetadas ao reservatório, mas foi difícil segurar as crianças que mesmo nunca tendo visto uma chuva na vida deixaram seus instintos falarem mais alto e foram correndo se molhar. Entre os adultos era comum vê-los chorando, pois também nunca tinham presenciado tal acontecimento. A inexperiência, porém, trouxe alguns prejuízos, como celulares, relógios, filmadoras e até o equipamento de algumas emissoras que queimaram, pois a maioria não era preparado para a chuva. Na realidade, ninguém ali sabia o que era uma chuva. Mas menos de cinco minutos depois ela parou. Todos se olharam, viram-se molhados e no ecoar do horizonte pode-se ouvir uma tremenda salva de palmas, pois aquelas pessoas tiveram a alegria de presenciar um acontecimento único na história.

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