sábado, 10 de outubro de 2015

Alguém pra mim

Era sábado à noite, meus amigos me chamaram para ir ao apartamento da Denise assistir um filme, mas estava chovendo e ela morava longe, então decidi ficar em casa lendo um livro ou navegando na internet. Achei no meu guarda-roupa “O menino do pijama listrado”. Ganhei ele há uns dois anos mas nunca consegui lê-lo e naquele dia tentei pela terceira ou quarta vez iniciar a leitura. Não que a história fosse ruim, não dava nem para avaliar ainda, nem o começo era chato, mas alguma coisa me impedia de prosseguir depois da segunda página, devia ser preguiça, então mais uma vez guardei-o e peguei o notebook, liguei e pus no meu colo na cama.

Acessei minha página no facebook e de cara já vi o pessoal reunido na casa da Denise tirando fotos e comendo pizza. Estavam lá a Roberta, a Giovanna, o Lucas e o Felipe. Só faltava eu, embora quisesse muito estar com eles, queria mais estar no meu quarto naquela noite chuvosa de sábado. Desci um pouco a barra de rolagem e o site me mostrou alguns perfis que talvez eu conhecesse. Dei uma olhada e não vi ninguém interessante, até que o último me chamou a atenção. Tínhamos alguns amigos em comum, éramos formados na mesma área e ele era muito bonito, moreno claro, cabelos escuros, olhos castanhos e um sorriso perfeitamente branco. Nunca adicionava ninguém que não conhecesse, na verdade nem era muito ativa nas redes sociais, passava a maior parte do tempo lendo o que os outros postavam, mas resolvi abrir uma exceção para aquele rapaz, chamado Vinicius. – Putz, o que eu fiz? – o pensamento veio imediatamente depois que teclei na opção enviar convite. Tentei desfazer, mas não deu tempo, ele foi mais rápido que eu e já me aceitou. Por alguns instantes fiquei olhando sua foto, sem reação, mordendo o lábio e batendo com o dedo no computador, não sabia bem o que fazer, embora a opção de deixar pra lá e não fazer nada fosse perfeitamente cabível. Quando finalmente tomei uma atitude e fui sair da página, subiu uma janela no bate-papo:

“Oi
Desculpe, mas nos conhecemos?”

Meu coração palpitou mais forte, não sabia exatamente o que fazer, só pensava na grande burrada que cometi e agora tinha que resolver aquilo, não podia deixar o menino no vácuo.

“Oi. É... acho que não nos conhecemos, é que vi sua foto e achei que já tivéssemos nos visto” – respondi, e menti, claro que não foi isso, mas não tinha coragem de falar a verdade. – “desculpe.”

Ele estava digitando alguma coisa, devia pensar que menina tapada eu era.

“Ei, tudo bem, acho que nunca te vi, mas podemos conversar?”

Ufa... Mas ele queria conversar comigo?

“Claro que podemos.”

“Legal, eu sei que já leu o meu nome, mas deixa eu começar sendo o mais educado possível, prazer, sou o Vinicius.”

“rsrs... eu sou a Letícia, o prazer é todo meu.”

“☺”

“Eu vi que temos um amigo em comum, o Fernando, de onde conhece ele?”

“Ah, nós estudamos juntos na facul, e vocês?” – respondi.

“A gente morava na mesma rua.”

Àquela altura já estava sorrindo sem perceber. Deitada na cama, teclando com ele nem vi o tempo passar. Já era uma da manhã.

“Ei, já está tarde...” – falei.

“Nossa, é verdade, nem percebi...rsrs

Foi tão legal conversar com vc.”

Ele falou isso mesmo?

“Também gostei de tc com vc”

“A gente pode se falar depois, tô sempre online no celular, pode chamar qualquer hora.”

“Legal, pode deixar. Mas vc tbm pode me chamar.”

“Pode deixar. Boa noite Letícia”

“Boa noite!”

Uau! O que foi aquilo? Nem imaginava que ficar em casa me renderia aquele bate papo tão bacana. Estava caindo de cansaço, mas fiquei tão feliz que não conseguia pensar em mais nada, só no Vinicius. Quando estava quase pegando no sono lembrei que não atualizava minhas fotos do facebook a muito tempo, a do perfil mesmo devia ter mais de um ano. Tinha que alterar. Mas não foi por ele, pensei. Claro que era. Liguei novamente o note e passei vários minutos tentando escolher uma nova foto. Era difícil porque não gostava muito de câmeras. Nunca me considerei fotogênica, talvez o jeito fosse tirar outra, mas eu estava toda descabelada, com a cara amassada e já passava das duas da manhã para eu me arrumar. Acabei voltando para a cama e dormi melhor do que qualquer outra noite.

Alguma coisa me fez levantar cedo no domingo. Um despertador interno me acordou as oito e instantaneamente peguei o celular e fui olhar se não tinha nenhuma mensagem nova. Não tinha. Mas também, ele devia estar dormindo ainda. Durante o dia levei o celular junto para todos os lugares, esperando algum oi, mas nada, nem online ele ficava. Pensei em chama-lo, mas isso podia pegar mal, então decidi esperar. E esperei até desistir. Nove horas da noite já estava conformada de que ele não queria nada sério e tudo não passou de uma viagem da minha cabeça, até que meu celular vibrou. Pulei do sofá e o peguei no rack, era o Vinícius, meu coração voltou a pular e outro sorriso apareceu no meu rosto.

“Oi, td bem? Só queria te desejar uma boa noite.”

Ahh, que bonitinho.

“Oi, obrigada! Pensei que não quisesse mais conversar”

Putz, que burra, eu e minha mania de falar as coisas sem pensar e nem dava pra cancelar o envio.

“kkkk boba, nada a ver. Tive um dia corrido, só isso.”

“Tudo bem, mas uma boa semana pra vc hein.” – falei.

“Você já vai dormir?”

“Na verdade não... tá cedo ainda.”

“Se não for te atrapalhar, podemos conversar”

“Não atrapalha não, não ia fazer nada...”

“Legal”

E assim foi, ficamos até a uma da manhã de novo, conversando sobre todos os assuntos possíveis. Falamos de faculdade, música, trabalho, família, esportes, livros. Acho que não faltou nenhum assunto. Uma pena que precisava ir dormir, no dia seguinte levantaria cedo. Mas um pedido do Vinicius me deixou desnorteada:

“Posso pegar seu telefone?”

Relutei um pouquinho mas acabei cedendo. Depois ele também me enviou o número de celular e já me mandou um “oi” por lá.

Segunda de manhã cheguei na empresa sem conseguir esconder a felicidade. Estava rindo à toa, literalmente, todo mundo me perguntava o que tinha acontecido e eu respondia que não era nada. Algumas amigas mais próximas chegavam a dizer: “qual o nome dele?”. Não podia estar tão claro que era um rapaz... Ou será que estava? Passamos o dia inteiro falando pelo whatsapp, mas quando sai, no caminho para pegar o ônibus meu celular começou a tocar. Era uma ligação, do Vinicius. Comecei a respirar mais rápido, não sabia o que falar, se devia atender ou não, até que decidi deslizar a tecla verde. Coloquei no ouvido e não disse nada, até que ele falou:

- Alô? Letícia?

- Oi, sou eu, é o Vinicius?

- Isso, desculpa, tô te atrapalhando?

- Não, não. Tô indo embora já.

- Ah, é que a gente já se falou tanto por mensagem que queria ouvir sua voz.

- Nossa, que bonitinho. Acho que eu fui mais feliz ao ouvir a sua, tão doce, igualzinha como imaginei.

- Obrigado... A sua que é doce, linda, como a sua foto no facebook.

- Nossa, mas aquela foto é tão antiga. Ia trocar ontem e acabei esquecendo.

- Então você deve estar ainda mais bonita agora...

- Acho que não é pra tanto... Vini... – de onde tirei que podia chama-lo apenas de Vini se acabamos de nos conhecer? – cius...

Tenho que desligar porque vou subir no ônibus e ele está bem lotado. Depois nos falamos, pode ser?

- Pode sim, claro. A noite te ligo.

E cumprindo a promessa ele ligou mais tarde, depois no dia seguinte, e no outro, no outro, no outro e no outro dia. Todos os dias nos falávamos o tempo todo praticamente, fosse por mensagens ou por ligações. E assim continuou por umas duas semanas. Em uma sexta minha amiga Denise apareceu de surpresa lá em casa. Pra variar, eu não tinha saído e ela estava preocupada comigo.

- Está acontecendo alguma coisa, Letícia? Você tem dado uns perdidos na gente.

- Não estou, Dê. Só ando meio ocupada ultimamente.

- Hum... ocupada? Com esse sorriso? Acho que essa sua ocupação atende por um nome e sobrenome...

Não queria falar para ninguém, afinal, não estava acontecendo absolutamente nada entre o Vinicius e eu, mas pelo jeito meu corpo não conseguia mais escondê-lo dos outros e acabei falando tudo pra Denise. Primeiro ela ficou surpresa, depois um pouco mais cautelosa.

- Sabe, amiga. Você não ficou nem um pouco preocupada? Sei lá, vocês não se conhecem, nunca se viram e nem nada... Ele pode estar mentindo sobre alguma coisa da vida dele.

- Claro que não... Será? Acho que não...

- É, eu também acho que não, pelo que você contou sobre como conversam e a frequência, ele deve ser bem verdadeiro, mas só tem um jeito de descobrir...

- Qual?

- Ué, se encontrando.

Conhecê-lo pessoalmente. Nossa, isso realmente mexeria comigo. Será que eu teria coragem?

- Mas e se ele não quiser?

- Ai você já descarta.

- Mas ele pode estar assustado.

- É bem provável que você esteja mais assustada que ele.

- Ele pode ser tímido pessoalmente, sei lá.

- E ai? Por que vocês são dois tímidos vão ficar nessa o resto da vida? Vamos lá, pega esse celular e liga. – já disse colocando o telefone na minha mão.

- Posso mandar uma mensagem?

- Tá bom... Manda, mas marca logo.

Comecei a escrever mas depois apaguei. Suspirei, pensei um pouco e voltei a digitar. Denise continuava me olhando fazendo pressão psicológica, o que me deixava apavorada.

- Olha, ainda hoje, eu prometo que falo com ele.

Surpreendentemente ela tirou o celular da minha mão de uma forma um pouco brusca.

- Ah, deixa que eu te ajudo.

- Não! Deixa. – tentei agarrá-la mas ela desviou.

- Prontinho. – me disse com um sorriso.

Eu peguei o telefone de volta totalmente desconcertada. Ela escreveu: “Oi, amanhã você tem algum compromisso? Tava querendo ir no cinema, quer ir comigo?”

- O que você fez menina?

- Você vai me agradecer. Vai ver só.

- E se ele não responder?

- Então é porque nunca quis nada sério.

Uns dois minutos depois ele visualizou a mensagem e em seguida começou a escrever alguma coisa.

“Nossa, não esperava esse convite de repente. Mas pode ser, eu tô louco pra te conhecer ☺”

- Tá vendo boba? Agora se prepara, marca em um shopping bem movimentado, só por segurança, ok? E me mantém informada de tudo! – me cumprimentou com um beijo no rosto e saiu dando um tchau.
Sentei na cama e coloquei a mão na boca, ainda sem acreditar naquilo, finalmente eu ia conhecer o rapaz que a quinze dias me fazia a mulher mais feliz do mundo. Me deu um ataque de risos, andando, sentada, deitada, rolando. Aquilo era tão encantador que parecia mentira. Nunca namorei sério, o único cara que fiquei já fazia tempo e ele não queria nada com nada. Será que dessa vez finalmente encontrei alguém certo? Já comecei a pensar na roupa, no sapato, no penteado, na
maquiagem...

No sábado não podia segurar o nervosismo, olhava no relógio o tempo todo, mas parecia que os minutos demoravam um século para passar, até que faltavam só duas horas para sair de casa e para a minha surpresa começou a chover. Droga... E a chuva só engrossava. Não conseguia parar de pensar no encontro e estava tão angustiada que deu até vontade de chorar, até que recebi uma mensagem do Vinicius.

“Oi, só pra confirmar, vc ainda vem?”

Inacreditavelmente, a chuva parou e respondi:

“Sim!! Daqui a pouco tô saindo.”

Terminei de me arrumar e fui para o shopping. Confesso que cheguei muito cedo, quase uma hora antes e fiquei dando várias voltas pelas lojas, meio porque estava tão apreensiva que não conseguia ficar parada. Esperei, esperei até que meu celular tocou.

- Alô – atendi.

- Oi Letícia, onde você está?

- Estou aqui perto do cinema.

- Eu tô indo ai, me espera, hein.

- Tá bom.

Olhava para todos os lados até que enxerguei alguém que parecia com ele. Vestido com uma calça jeans e camisa branca veio se aproximando e quando me viu abriu um largo sorriso, o mesmo que tinha nas fotos.

- Olá! Então você que é a Letícia?

- É... E você o Vinicius.

- Prazer, agora pessoalmente – disse pegando minha mão e beijando-a.

- Nossa, que cavalheiro.

- É o mínimo como devo tratar uma dama tão linda.

Percebi meu rosto ficando vermelho. Estava embaraçada e ter consciência disso me deixava ainda mais sem jeito.

- Você quer comer alguma coisa?

- Quero sim. Vamos?

Ele era perfeito. Igualzinho como no telefone, parecia que nos conhecíamos a anos. Falávamos sobre tudo, ríamos muito, ele me escutava, falava tudo na hora certa. Depois fomos ao cinema. O filme que escolhemos começava tarde e a sala estava vazia. Fomos para a última fileira.

- Tem certeza que não quer pipoca? – ele me perguntou.

- Tenho sim, acabamos de comer...

- É verdade, mas se quiser, não tem problema, eu pego pra você. – falou isso e me olhou sorrindo. Não consegui responder nada por um tempo, apenas o olhava retribuindo o sorriso. – A sessão vai começar.

Eu não estava muito interessada no filme, na verdade. Prestava mais atenção nele. Às vezes tinha a impressão de que estava me olhando e quando virava meu rosto trocávamos sorrisos. Em um momento, Vinicius se aproximou e cochichou no meu ouvido:

- Você está entendendo o filme? – disse dando uns risos.

- Na verdade não... – respondi.

Com os rostos ainda próximos, pude sentir a sua respiração, meu coração batia mais forte e achava ver um brilho diferente em seus olhos. Nos aproximamos cautelosamente e com alguns milímetros de encostarmos os lábios ele perguntou:

- Quer namorar comigo?

Eu não conseguia responder nada. Só pude beijá-lo, da forma como sempre quis. Um beijo incrível, tão doce quanto mel.

- Isso é um “sim”?

- É um “com certeza”.

E continuamos assistindo o filme. Quer dizer, continuarmos na sala do cinema.

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