sábado, 10 de outubro de 2015

Vida de Papai Noel

Ficar horas embaixo daquele monte de pano enquanto crianças sentam em seu colo não é nada fácil. Se a aposentadoria de Leopoldo fosse descente, ele com certeza estaria na praia tomando água de coco naquele momento, mas infelizmente era obrigado a passar por aquele ridículo todos os anos.

Dia 20 de dezembro o shopping estava abarrotado de gente e a fila na casinha do Papai Noel era uma das maiores. Haviam crianças para todos os gostos. Ricos, pobres, espertas, bobas, mimadas, desiludidas, mas todas, sem exceção, enganadas pelos pais que alimentavam aquele personagem fictício em suas mentes. “Eles não conseguiram educar os filhos o ano inteiro e agora querem passar a batata quente pra mim”, Leopoldo sempre pensava quando tinha que tirar alguma foto. Os momentos mais insólitos que ele tinha eram com as crianças que puxavam a barba perguntando se era de verdade. “Rô, rô, claro que é de verdade, querido”, era o que sua boca dizia, mas no fundo, o que ele pensava era: “claro que é, seu pestinha, você acha que é fácil deixar essa barba crescer o ano inteiro?”.

Finalmente, a fila sumiu e embora ele soubesse que aquela paz duraria apenas alguns instantes, precisava urgentemente tirar água do joelho. Já não se podia exigir tanto da bexiga de um velho de setenta anos, ainda mais depois de seis horas sentado. Ao entrar no banheiro, todas as cabines estavam ocupadas e automaticamente, enquanto dirigia-se ao mictório já tentava encontrar o zíper da calça escondido entre tantos panos. Depois de uma caçada alucinante em que ele sinceramente pensou que perderia, finalmente sentiu a urina sendo expelida de seu corpo, o que acompanhou uma maravilhosa sensação de alívio que o fez fechar os olhos e respirar fundo rascunhando um leve sorriso em meio a barba branca.

“Papai Noel?”. Leopoldo virou-se assustado ao ouvir e assustou-se mais ainda ao ver um pirralho que não devia passar dos sete anos. “O senhor usa o banheiro também?”. A pergunta soava tão idiota quanto “você é de verdade?”. “Claro que uso, moleque, acha que sou uma máquina?”. O menino, com os olhos arregalados tentou argumentar – “nunca ouvi dizer que você parava de entregar presentes para fazer xixi”, “pois é, mas eu paro” – respondeu o bom velhinho, que ainda completou – “é melhor você ir lá pra fora com seu pai e fingir que não viu nada”. O rapazinho parecia insistente – “Mas eu vi você aqui. E o Papai Noel não é tão mal educado assim”. A paciência de Leopoldo desceu com a água pela pia, ele abaixou-se à altura do menino, segurou-o pelos ombros e falou firme: “escuta aqui, moleque, eu só estou aqui pela grana, não gosto de criança, nunca gostei e nunca gostarei, odeio o natal, não acredito em papai noel, nem em espírito natalino e muito menos que crianças mereçam presentes. Então pelo bem de todos acho melhor você voltar lá pra fora e esquecer que me viu.” O garoto deu um sorriso que gelou sua espinha, virou-se e saiu correndo em direção à porta. Alguns instantes depois foi a vez de Leopoldo sair do banheiro e ir em direção à sua casinha, guardada pelas Mamães Noéis, que organizavam a fila que aparecera em poucos minutos. Qual não é a surpresa do bom velhinho ao ver o menininho chato aguardando para tirar uma foto com ele...

“Rô, rô, rô, feliz natal querido! Me diz, o que você quer ganhar de presente?” – o saudou com o texto padrão.

“Nossa Papai Noel, essa sua barba é de verdade?” – o menino perguntou enquanto puxava com força a barba dele.

“Sim, é de verdade. Pode soltar agora”.

“Mas ela é tão macia. Posso cortar um pedaço?”

Leopoldo vê um sorriso sarcástico na criança e quase levanta a mão em sua orelha, mas se acalma quando o pai intervém.

“Filho, solta a barba do Papai Noel, senão ele não vai te dar um presente.”

“Ele não é o Papai Noel, ele nem gosta de natal e nem de criança.”

O pai, visivelmente constrangido, pega o menino no colo enquanto se desculpa com o velhinho. Leopoldo levanta-se e com um súbito quase vai embora deixando as pessoas na fila a ver navios, mas em questão de milésimo de segundo lembra-se de sua aposentadoria e de quanto receberá pela encenação toda. “Vamos lá, faltam só quatro dias”. Assim, ele volta a sentar-se e a receber com um sorriso no rosto a próxima criança.

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