sexta-feira, 22 de abril de 2016

O caso do anel de família




A vantagem de se trabalhar em casa era não ter que acordar cedo, encarar o trânsito louco de São Paulo e já chegar tão cansado no serviço como se tivesse acabado de sair dele. A parte ruim disso, bem, talvez fosse justamente a casa... Todos os detalhes insignificantes para qualquer um torna-se interessantíssimo aos olhos de alguém que precisa se concentrar em seus afazeres profissionais, como a abelha sobrevoando uma flor na janela da vizinha ou o barulho característico de uma geladeira irrompendo o silêncio. Embora essa fosse uma verdade inquestionável, Thales preocupava-se que o real motivo de sua desatenção fosse justamente a falta de trabalho. Detetive particular não era exatamente um profissional tão solicitado assim, principalmente alguém novo, com um óculos preto, quadrado e grosso combinando com uma barba por fazer, no melhor perfil nerd. Mas o que lhe atrapalhava mesmo era nunca ter tido um primeiro caso a resolver. Claro, para tudo na vida tem uma primeira vez, mas como ganhar experiência se ninguém lhe dar oportunidade? Esse mundo era muito injusto, ele pensava, até porque o fato de nunca ter atuado como detetive não lhe tirava a habilidade adquirida ao longo de uma vida lendo as histórias de Hercule Poirot, de quem aliás era um grande fã. Talvez o erro tenha sido anunciar seus serviços na internet, devia ter feito um lobby com alguém para indicá-lo, mas quem sai por ai espalhando aos quatro ventos que precisa de um detetive?

Imerso em seus pensamentos, se assustou quando o celular tocou. O número era desconhecido, mas atendeu prontamente.

- Oi? Alô?

- Oi, é... Estou ligando por conta do anúncio na internet... – disse uma voz feminina aparentando timidez.

- Pois não, aqui é o detetive Thales Mestre falando. Como posso ajudá-la?

- Bem, será que podemos nos encontrar em algum lugar para conversar?

- Sim, claro! Onde você está? Ah, sim, conheço. Pode deixar, em uma hora estarei ai. – Thales desligou e imediatamente saiu eufórico para trocar de camiseta enquanto passava um desodorante e tentava alinhar o cabelo com os dedos.

Na hora combinada ele chegou na lanchonete indicada pela cliente. Mas um detalhe praticamente irrelevante até agora passou a ter uma importância monumental nesse instante. Qual era o nome dela? O entusiasmo da ligação não lhe permitiu lembrar dessa pergunta básica, e agora, parado na porta, sem saber a quem procurar, prometeu a si mesmo perguntar o nome da mulher assim que a encontrasse.

- Senhor Thales? – uma voz acanhada falou atrás dele.

- Sim, sim. Sou eu. – respondeu virando-se. Em um milésimo de segundo observou a pessoa a sua frente: uma moça frágil, loira, com cabelo um pouco mais para baixo do ombro e uma pele absurdamente branca.

- Prazer, eu sou a Clarissa.

- Clarissa! Esse é o seu nome. Claro, o prazer é todo meu. Vamos sentar?

Acomodaram-se em uma mesa no fundo da lanchonete, que era razoavelmente grande mas tinha apenas uma meia-dúzia de clientes àquela hora da tarde, talvez porque as pessoas estivessem trabalhando, muito embora fosse exatamente isso o que estava Thales fazia ali.

- Bem, então o senhor tem bastante experiência nesse tipo de serviço? – Clarissa perguntou.

Quase se engasgando com o café, Thales disse um sim que pouco lhe convenceu, mas foi o suficiente para a garota.

- Preciso de sua ajuda para salvar a minha família.

- Salvar sua família? Como assim? – questionou inclinando-se um pouco para a frente.

- Primeiro quero sua total discrição. Esse assunto não pode vazar de forma alguma.

- Pode ficar tranquila.

Clarissa iniciou a narrativa com um profundo suspiro. – Minha família é muito rica e sempre sai na mídia, por isso esse assunto é extremamente delicado. Minha mãe tem um anel que pertenceu à minha avó e é valiosíssimo, de diamante azul. E ele foi roubado. – seu tom de voz diminuiu consideravelmente nesta frase final.

- Roubado? – Thales perguntou imitando a mesma a entonação dela.

- Na verdade não foi bem roubado, foi furtado...

As sobrancelhas dançando no rosto de Thales pediam que ela continuasse com a explicação.

- Na segunda à noite meus pais iam a uma festa e minha mãe foi pegá-lo, mas ele tinha sumido.

- E como vocês sabem que ele foi furtado e não simplesmente perdido?

- Ela tinha muito cuidado com o anel, além de ser uma joia de família, é muito valiosa. Deve custar uns vinte. – falou tentando disfarçar.

- Vinte mil? – Thales perguntou com os olhos arregalados.

- Não! – ela inclinou-se sobre a mesa e cochichou – vinte milhões de reais.

Ele não teve reação. Não acreditava ter ouvido essa quantia. Parecia ter ficado em estado de choque por um instante.

- Agora ela quer descobrir quem foi antes de chamar a polícia, para não ter nenhum escândalo.

- Mas furtar, principalmente algo tão valioso assim, é uma coisa comum. Uma hora a polícia tem que ser acionada.

- Sim, acontece que foi alguém da minha casa.

- Como assim?

- Veja, minha mãe garante que o anel estava na caixa de joias poucos minutos antes de perceber o sumiço. E nesse tempo ninguém entrou e nem saiu de casa.

- Compreendo... – Thales não compreendia bem, é verdade, mas precisava passar credibilidade.

- Como ninguém tem provas de nada e nem acharam o anel, estão todos desconfiando de todos. Está um verdadeiro clima de guerra lá.

- Me perdoe, mas e a senhora? Ninguém suspeita de você?

- Eu estava viajando – respondeu com dignidade – cheguei de Buenos Aires ontem.

- E a ideia de procurar um detetive particular?

- Foi minha. O clima está péssimo lá, além de que minha mãe concorda que é imprescindível resolvermos essa questão dentro de casa, senão a reputação da família estaria abalada...

- Compreendo – Dessa vez Thales realmente começava a compreender algo. – Talvez eu devesse conversar com ela pessoalmente.

- Sim, ela já nos espera. Sabia que pediria para falar com ela.

Os dois saíram da lanchonete e pegaram um táxi em direção à casa de Clarissa. Chegaram em uma cobertura no bairro de Vila Mariana, o que fez reascender os cifrões nos olhos do jovem detetive.

Foram recepcionados por Tereza, uma senhora séria, loira, sem dúvidas com mais de cinquenta anos, mas sendo impossível calcular sua idade exata devido a quantidade de Botox segurando seu rosto.

- Mamãe, esse é o Thales Mestre. Ele quem vai nos ajudar naquela questão.

- Imaginava alguém mais velho. – respondeu a senhora sem meias palavras. – mas tudo bem, sendo competente já é o bastante.

Os três entraram e sentaram – se no sofá que contornava toda a sala que por sua vez era maior que o apartamento inteiro de Thales.

- Hum. Vejamos, senhora...

- Tereza. – respondeu sem paciência.

- Tereza, senhora Tereza. Bem, quando foi a última vez que viu o anel?

- Na segunda a tarde, pouco antes de tomar banho, devia ser umas seis horas.  Passei na penteadeira quando fui ao banheiro e vi algumas joias na caixa, inclusive o anel de cristal.

- E percebeu que ele havia sumido em seguida?

- Assim que sai do banho e coloquei as roupas, quando fui pegá-lo não estava mais lá.

- E quanto tempo se passou nesse intervalo?

- O banho, você diz? Deve ter durado uns quinze minutos.

- Então a senhora acredita que alguém entrou em seu quarto nesse período e roubou a joia.

- Sem dúvidas!

- E quem estava na casa?

- Meu marido Luciano, minha sobrinha Lívia e a empregada Mariana.

- E acredita que algum deles tenha motivos para roubar o anel?

- Olha – Tereza falou abaixando a voz como se não quisesse que alguém escutasse – a Mariana, minha empregada, não é de confiança. Fora que ela é a única realmente capaz de fazer isso, não é? Minha família não é dessa laia.

Entendendo a conotação que ela queria dar àquela fala, Thales cuidadosamente prosseguiu:

- Mas a senhora acredita que ela tenha algum motivo real para querer fazer isso?

- Veja, ela está conosco a pouco tempo, não tem nem um mês, foi enviada pela agência. Parece que chegou outro dia do nordeste e o pai está doente.  Então todo dinheiro que ganha é muito bem vindo.

- E a senhora percebeu algo estranho, ou diferente em seu quarto ou no comportamento da empregada depois do episódio?

Pensando um pouco, Tereza logo respondeu:

- Não, nada anormal que eu lembre, a não ser é claro, a ausência do anel. Fora que comecei a gritar desesperada e não prestei atenção em mais nada.

- Ah, entrou em choque?

- Como?

- Digo, se desesperou.

- Mas é claro, você sabe quanto vale aquele anel?

- Sei sim... – respondeu Thales suspirando.

- E o valor sentimental? Eu herdei ele de minha mãe. É muito especial pra mim.

- Hum... Voltando ao momento do incidente, imagino que alguém tenha ido te socorrer ao ouvir os gritos.

- Sim, o meu marido. Na verdade todo mundo entrou no quarto.

- E seu esposo, está aqui? Será que posso conversar com ele?

- Claro. Querida, vá chama-lo, por favor. – disse dirigindo-se a Clarissa.

Thales e Luciano foram conversar na varanda da casa, com uma vista privilegiada da cidade. O senhor de seus sessenta anos e alguns fios de cabelo na cabeça não conseguia disfarçar o nervosismo. O assunto o abalara grandemente.

- Senhor, desculpe-me mas preciso perguntar. Onde estava na segunda entre as dezoito horas e dezoito e quinze?

- Eu estava lá fora, o carro estava na rua e começou a chover. Como íamos sair, desci para coloca-lo na garagem, assim Tereza não se molharia.

- Mas quando ela começou a gritar você já estava aqui.

- Sim, tinha acabado de chegar, estava limpando a lama dos sapatos.

- E percebeu algo estranho antes ou depois do roubo?

- Estranho? O roubo é estranho! – aproximou-se de Thales, tentando estabelecer alguma intimidade com ele. – Escuta, a minha empresa está com muitos problemas financeiros, a gente não pode ter a imagem abalada por uma situação dessas... em família ainda por cima!

- Tudo bem, seu Luciano. Ninguém ficará sabendo disso.

Depois da conversa, Thales foi em direção à sala, mas deteve-se ao perceber que Clarissa conversava com a mãe. Ficou atrás da parede do corredor tentando ouvir o que as duas falavam.

- Mamãe, a senhora tem certeza de que não lembra de nada? É importantíssimo que diga tudo o que sabe para resolvermos logo tudo isso, da forma mais discreta possível.

- Não tem nada, filha. Só o anel que primeiro estava na caixa e depois não estava mais. Tudo estava no lugar, não tinha nada faltando. A única coisa estranha que percebi foi um cheiro de rosas quando sai do banho, mas com certeza foi impressão, devia ser algum sabonete que usei.

- Mas a senhora não acredita mesmo que tenha sido o papai, não é?

- Não sei, Clara. Essas dívidas que a empresa tem são uma tortura. O conselho está quase tirando ele da presidência. Fora que não seria a primeira vez que ele me engana. – cortou a frase abruptamente como se não quisesse que a filha soubesse da história. Nesse momento Thales aproveitou e entrou.

- Bem, gostaria de conversar com sua sobrinha e a empregada, se possível.

- Agora não será. Elas não estão em casa. Mas pode retornar amanhã de manhã.

- Ah sim, claro. Nesse caso, boa noite.

Enquanto voltava para casa, em um ônibus lotado, tentava pensar em algo. Mas não conseguia, o aperto e o fedor de suor das pessoas não permitiam que seu cérebro trabalhasse adequadamente. Foi só ao descer e começar a caminhar que pode colocar as ideias em ordem. A viagem de mais de duas horas até sua casa o fez refletir sobre a necessidade de se mudar para o centro afim de facilitar o transporte, mas isso dependeria do sucesso dessa investigação.

Seu caminho havia um cemitério, onde ele sempre parava e ficava observando a movimentação. Naquele dia parou para pensar no caso e encostou em um poste de frente a entrada do cemitério de onde observou uma moça levar algumas flores à uma lápide. Então começou a tentar organizar o emaranhado de informações de mais cedo.

Uma família em crise financeira, que adora viver das aparências. Um anel de vinte milhões com certeza viria muito a calhar. O marido teria todos os motivos para pegar o anel, e segundo a esposa ele seria capaz disso. Ele, por sua vez, parecia desesperado com a situação, se descobrissem que ele pegou a joia sua carreira estaria arruinada. Mas... se a esposa acha que foi ele, por que quer tanto colocar a culpa na empregada? Com esse quebra-cabeça na mente Thales chegou feliz da vida em casa, louco para solucionar seu primeiro mistério.

Na manhã seguinte ele estava tocando a campainha da casa de Clarissa e foi recebido por uma moça de no máximo 1,60 de altura, magrinha e com os cabelos negros.

- Pois não?

- Bom dia, gostaria de falar com a dona Tereza.

Mal havia acabado de falar, ela própria apareceu atrás da menina e pediu que ele entrasse.

- Mariana, esse é o detetive Thales. Thales, essa é Mariana, nossa empregada.

- Ah sim, será que podemos conversar?

A moça olhou para a patroa como se pedisse autorização e obteve um aceno positivo com a cabeça. Os dois dirigiram-se à sala de jantar.

- Você é a Mariana, então.

- Sim senhor.

- Está a muito tempo aqui?

- Não, só a uns quarenta dias. Vim de Pernambuco.

- E tem algum parente em São Paulo?

- Não senhor. Precisei vir porque meu pai está muito doente e não temos dinheiro para o tratamento. Vim trabalhar para ajudar.

- Então todo o dinheiro que ganha aqui vai para ele?

- Quase tudo. Também estou juntando para o meu casamento.

- Você vai casar?

- Vou sim. Meu noivo está em Pernambuco cuidando das coisas.

- E sobre o anel. Já o tinha visto antes?

- Só uma vez, nas mãos da dona Tereza.

- E o que estava fazendo no momento em que ele desapareceu?

- Ah, bem... Não tenho certeza, devia estar na cozinha preparando o jantar.

- Mas eles não iriam sair?

- Sim, mas a menina, Lívia, ia ficar em casa.

- Ah, claro. Então não tem certeza de onde estava?

- Não, só lembro de ouvir a dona Tereza gritando no quarto.

- Hum, e você acredita que alguém daqui de dentro pode ter roubado?

- Não sei, senhor...

- Para terminar, sabe onde o Luciano estava no momento?

Depois de pensar um pouco respondeu:

- Acredito que estava na chuva pois lembro de vê-lo chegar com o sapato todo sujo pouco tempo antes de ouvir a dona Tereza...

- Ok, era só isso que eu precisava. Obrigado.

 A simplicidade da moça chegou a comovê-lo, mas a imparcialidade precisava ser seu lema de trabalho. A próxima pessoa a entrevistar, a única que faltava, era a sobrinha de Tereza, Lívia. Ao entrar na sala ela trouxe junto sua jovialidade impressa tanto na aparência como no sorriso. Por um momento Thales pensou já tê-la visto em algum lugar. Não parecia abalada com os acontecimentos recentes.

- Então você que está investigando o caso? Não querem mesmo chamar a polícia, hein.

- A senhora não parece muito preocupada com o assunto.

- Primeiro, senhora não, sou mais nova que você – ela deve ter imaginado como rosto dele ficaria corado – e segundo, por que estaria preocupada? Eu não peguei nada, muito pelo contrário, acho até que ninguém o tenha pego.

- Como assim?

- Deve ser caso da minha tia que está querendo pagar as dívidas da família e manter a vida de dondoca que tem.

- Por que fala assim?

- Porque acho que é isso. Quem aqui dentro ia querer aquele anel? A Clarissa estava viajando e mesmo assim era a herdeira natural, então não teria motivos para roubá-lo e a empregada parece ser honesta demais pra fazer uma coisa dessas.

- E o seu tio?

- Bem, sobra ele e minha tia. Acho que os dois teriam coragem de fazer de conta que o anel sumiu, mas minha tia tem mais caráter de quem faz uma coisa dessas.

- O que você quer dizer com isso?

- Ah, deixa pra lá. É uma longa história. Ela e minha mãe não se gostavam. Tia Tereza era mais nova e mesmo assim minha avó sempre a tratou melhor, como sua favorita.

- E presumo que você não more aqui.

- Não mesmo, sou de Mato Grosso, mas vim passar um tempo aqui a convite da Clarissa. Ela queria que nossa família voltasse a ser unida.

- E quando chegou?

- Semana passada. Fico mais uns quinze dias. Quer dizer, o plano era esse, mas agora talvez eu vá antes. Com essa situação toda está muito chato ficar aqui.

- Sua prima Clarissa estava viajando. Por que você mesmo assim ficou aqui se foi ela quem te convidou?

- Ela ficou só três dias na Argentina a trabalho. Fora que acreditava que essa era uma ótima oportunidade para me aproximar de minha tia.

- E sua mãe, onde está?

- Em Mato Grosso. Depois que saiu de São Paulo a muitos anos, foi morar lá.

- E tem falado com ela?

- Às vezes sim.

- Bem, dona Lívia, quer dizer, Lívia, na segunda-feira, onde estava entre as 18:00 e as 18:15?

- No quarto, na internet.

- Ok, agradeço sua atenção.

Ao levantar-se, Thales foi até Clarissa e pediu para andar um pouco pela casa, o que foi prontamente autorizado por ela. Ele passou no quarto de Tereza de onde o anel foi tirado, passou pelos perfumes e o closet de sapatos dela, viu o corredor que o ligava ao quarto de Clarissa, com tudo aparentemente normal. Entrou no quarto de hóspedes, ocupado por Lívia, onde na cama havia alguns vestidos que pareciam ter acabado de sair da mala e dois frascos de perfumes, um de rosas e outro neutro. Em seguida foi à cozinha, onde Mariana preparava o almoço e por fim na lavanderia, onde viu que os empregados aparentemente não conseguiam manter tudo em ordem, já que um sapato masculino estava todo sujo de lama seca no canto, provavelmente o mesmo que Luciano usara na segunda-feira.

- Tudo bem, Thales? – Clarissa perguntou ao agora pensativo detetive.

- Tudo sim. – respondeu voltando à realidade. – acho que esse caso já está resolvido.

- Sério?

- Sim, mas preciso dar uma saída. Daqui a pouco estou de volta.

- Estamos te aguardando!

Thales estava mergulhado em suas ideias. A mulher tinha problemas com dívidas do marido, o marido tinha uma carreira em jogo, a empregada tem um pai doente. Os três tinham motivos para querer o anel, mas uma peça ainda não se encaixava nesse quebra-cabeça, e cruzou a cidade mais uma vez para tentar pensar... Foi até sua casa e no caminho passou no cemitério, foi olhar o movimento, mas dessa vez, no lado de dentro.

Ao voltar à casa de Tereza, encontrou ela, o marido, a filha e a sobrinha na sala. Pediu que chamassem Mariana, o que foi prontamente atendido.

- Quando Clarissa me contou o que ocorreu confesso que fiquei um pouco receoso – por inexperiência, diga-se de passagem – mas quando conversei com vocês tive a certeza de que havia muito mais coisas envolvidas do que um simples roubo de anel. Não foi Tereza quem inventou tudo isso, com certeza, ela crê veemente que o marido está por trás do roubo.

- O que? – Luciano exclamou, ao passo que a esposa só pode se acanhar na cadeira.

- Mas ela tem razão de desconfiar, não é mesmo Luciano? Sua empresa está com dívidas e você pode perder o cargo a qualquer momento. Aparentemente você já aprontou alguma coisa no passado que fez sua esposa perder a confiança em você. O que te salvou, porém, foi a chuva. Mariana te viu entrando no horário que me disse e o seu sapato, a propósito, está sujo até agora. Por isso temos certeza de que não foi você. Além do mais sua esposa tem muita lealdade ao status. Não quer ver o marido envolvido em um escândalo desses, por isso levantou a hipótese de Mariana, a empregada pobre do nordeste com um pai doente e um noivo esperando casamento, ter roubado o anel. Ela tem o motivo e não tem provas que a defendam...

- Então, ela é a ladra mesmo!  - gritou Tereza.

- Calma, senhora. O fato de ela não ter provas que a defendam não a torna culpada, principalmente porque ela não é!

- E quem é então? – Perguntou a agoniada Clarissa.

- Sua prima, Lívia. – respondeu Thales com uma voz firme.

Todos olharam espantados para ela que tentou se defender:

- Você está louco! Isso não existe. Não vou com a cara da minha tia mas isso não me transforma em uma criminosa.

- Pode ser que não seja por isso, mas a senhora é uma criminosa sim. Sua preocupação excessiva em culpar alguém logo me chamou a atenção. Parecia que queria de todas as formas incriminar sua tia. Parecia que você nutria um ódio secreto por ela, o que você mesma confirmou ao dizer que nunca se deram bem. Pode começar contando quando sua mãe morreu.

- O que? Ela morreu? Mas você não disse que ela estava no Mato Grosso? – Luciano perguntou.

- Não sei do que ele está falando.

- Sabe sim. Quando conversamos, tive a impressão de que já nos conhecíamos de algum lugar e não lembrava de onde. Depois caiu a ficha, havia te visto ontem no cemitério, perto da minha casa, no outro lado da cidade, o lado que ninguém dessa casa frequenta. Hoje voltei lá e encontrei uma lápide com a foto de uma mulher muito parecida com você e uma mensagem assinada por sua filha Lívia.

Ela não conseguiu segurar o choro e confessou:

- É verdade. Minha mãe morreu a um ano e desde então eu prometi que iria vingar a vida que tivemos. Você, tia Tereza, ficou com toda a parte boa do que pertenceria à minha mãe, inclusive aquele anel, por isso que roubei ele.

- Duas coisas me abriram os olhos para esse caso – prosseguiu Thales – primeiro ela me disse que Tereza era a irmã mais nova e a preferida da mãe, só que o anel em questão era uma herança de família costumeiramente passada aos filhos mais velhos, o que claramente não aconteceu e provocou diversas brigas em família. Quando a mãe morreu, Lívia decidiu se vingar por ela, pegando justamente o símbolo dessa mágoa, o anel.
 “Outra coisa importante nessa história foi o detalhe quase imperceptível de que Tereza sentiu um aroma de rosas quando saiu do banho, um aroma diferente no normal naquele quarto e um dos perfumes de Lívia é justamente de rosas, o que mostra que ela poderia ter ido até o quarto, pegado o anel e saído, ficando a fragrância por um certo tempo.

- Não acredito que você foi capaz de fazer isso! – disse Clarissa incrédula – e nossas conversas pela internet? Você dizia que queria se reconciliar com a família!

- Era mentira! Eu só queria me aproximar de vocês e ter a oportunidade de limpar a honra da minha mãe!

- E o que fez com o anel? – perguntou Luciano.

- Escondi, ele é meu por direito.

Tereza avançou sobre a sobrinha mas foi contida pelos homens no ambiente, que seguraram Lívia até a chegada da polícia.



De volta para casa, sem passar no cemitério, Thales estava feliz da vida com seu primeiro caso solucionado e um cheque bem gordo nas mãos. Agora já podia se considerar um detetive de verdade. Mas o que lhe deixava ainda mais animado era o pagamento que trazia. Tudo bem que achou muito pouco em comparação com os vinte milhões que ajudou a salvar, mas essa era uma questão que ele melhoraria nos próximos casos. A única coisa que ainda não tinha conseguido desvendar era porque aquela família decidiu chamar a polícia no final se não queriam publicidade? A resposta veio em seguida, ao abrir uma página de notícias na internet: “Famosa família de São Paulo é vítima de golpe”. Pois bem, pensou ele, talvez não seja uma notícia tão ruim para os negócios.

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