sábado, 20 de junho de 2020

A pandemia do eu


Em meio à pandemia e à crise econômica, imagens no mínimo curiosas levantam o debate entre os defensores do isolamento social: pessoas que se aglomeram para os mais diversos fins usando máscaras e as que tentam não se aglomerar mas não usam máscaras. Perguntas do tipo “a quarentena acabou?” ou “a curva está caindo?” ou ainda “o pior já passou?” ressoam a todo instante nas redes sociais e em algumas rodas de conversa.
Até pouco tempo atrás, eu estava inclinado a acreditar que a resposta para isso estava na necessidade das pessoas trabalharem ou na ideia de que são imunes ao vírus, o que inclusive é sempre acalentado pelo nosso senso humano de que determinado mal nunca acontecerá conosco. Acredito que a tensão política, a necessidade de pagar as contas e até a mídia podem ter um efeito anestésico sobre aqueles que de certo modo se sentiram seguros para sair de casa, seja pelo tédio ou pela necessidade.
O mais intrigante nesse momento, porém, são os que se aglomeram e não usam máscaras. Respeitando as limitações sociais de cada região, onde muita gente simplesmente não pode se isolar e não tem como comprar uma máscara, aqueles que podem e não fazem se sentem imunes? Conversando com algumas pessoas podemos entender que para muitos o isolamento social é um exagero e jogo político, que a doença não é tão séria. Confesso que é difícil entender racionalmente esse pensamento, mas tive uma luz assistindo o documentário “Coronavírus: a origem”, do National Geographic. Em determinado momento, falando sobre a reabertura que Wuhan vem promovendo, um entrevistado disse que os chineses estão saindo de casa, mas sempre de máscara e mantendo o distanciamento, porque eles entendem sua responsabilidade com os demais. Talvez, essa seja a chave para entendermos o que acontece com esse grupo que se aglomera sem nenhuma proteção.
Longe de uma discussão filosófica ou sociológica, se muito curiosa, e abusando do senso comum, ouso acreditar que a questão destas pessoas não seja a sensação de que nada de ruim vai lhe acontecer, e sim a falta de noção de responsabilidade com a sociedade. É uma parcela que desconsidera que por mais que eu eventualmente desenvolva a doença e fique tudo bem, ao transmitir para outra pessoa, o mesmo vírus pode ter um efeito mortal. “Se o outro ficar doente, a culpa é dele, eu respondo por mim” pode sintetizar este pensamento. A partir daí, talvez tenhamos outras discussões, como o “novo normal”, que aparentemente se manterá bastante velho.
Todos podem acreditar que isso é uma grande mentira da mídia, mas não podemos esquecer que vivemos em sociedade e nossas ações precisam ser pautadas no cuidado com todos e não apenas em nós mesmos. Em outras palavras: se a pandemia não é real e todos usarmos máscaras, o pior que vai acontecer é termos um bronzeado diferente no rosto, mas e se tudo for verdade e sairmos sem nenhum cuidado? Eu não sou capaz de pensar no melhor cenário, quem dirá no pior.
Se esta minha reflexão estiver correta, estamos vivendo plenamente um paradoxo: pessoas se encontram com outras porque são contrárias ao isolamento social mas ao fazerem isso demonstram que não se importam realmente com os demais, permanecendo, portanto, em seu próprio isolamento. São pessoas que julgam os orientais por supostamente consumirem sopa de morcegos mas que não se importam com a morte, as vezes indigna, de gente ao seu redor.

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